O lugar onde os porto-alegrenses diminuem o passo para deixar o olhar se perder em antiguidades e artesanato faz 44 anos, e o desafio é um só: chamar de volta à Avenida José Bonifácio a multidão que se dispersou durante a pandemia.
Fundado em 18 de março de 1978, o Brique da Redenção passou a abrigar também artistas plásticos, artesãos e bancas de lanche a partir de 1983. Neste domingo (20), os hoje cerca de 200 expositores celebraram o aniversário da tradicional feira a céu aberto de Porto Alegre com shows, poema e até parabéns para você. Um esforço da organização para marcar a importância do Brique, que deixou de funcionar durante as épocas mais perigosas para contágio pela covid-19.
Foi a primeira vez na história que o Brique da Redenção parou de atuar por força da lei, segundo a memória da presidente da Comissão Deliberativa da feira, Renita Stieler. Antes, só uma chuva de 45 dias havia impedido os expositores de tirarem das caixas seus livros e gibis raros, seu porcelanato antigo e joias um tanto opacas, mas ainda em bom estado.
- Ficamos fechados de março a setembro de 2020. Quando o Estado veio com a bandeira preta, fechamos novamente. O prejuízo da pandemia foi grande - conta a antiquária de 59 anos, dona da banca 13, que há cinco participa da feira.
São muitos os expositores que sobrevivem da venda de seus produtos a cada domingo de Brique. Durante o isolamento social, tiveram de receber doações ou até um dinheiro do programa de assistência do governo, como aconteceu com Joice Lucas, 44 anos, dona da banca 21.
- Eu vivo daqui. Se não fosse o auxílio emergencial, teria passado dificuldade. Eu não sabia vender pela internet. Me obriguei a me reinventar. Sem o Brique, minha vida desaba - admite a antiquária.
Joice vestiu-se com trajes de época para celebrar à altura os 44 anos do Brique, conforme solicitado pela organização do evento. Se a pandemia a pôs em dificuldades, seu ânimo, neste domingo de aniversário, já era melhor: as vendas estavam tão boas que precisava pedir que os clientes aguardassem; assim, daria atenção a todos.
Mas há quem lembre de dias mais intensos do Brique, quando eram muitos os que pechinchavam por um castiçal ou um disco de vinil usados.
- O que hoje parece um bom movimento seria, antigamente, um dia fraco de Brique - conta Marilene Borba, 71 anos, que desde a fundação da feira toca a banca de antiguidades de número 25.
A sobrinha, Lisiane Teves, 44 anos, tinha apenas cinco meses quando a mãe, Maria Cândida Souza Teves, morta em 2013, tornou-se uma das primeiras antiquárias a formar o evento. Lembra dos domingos áureos que começaram a ficar para trás até mesmo antes da pandemia, quando os ambulantes passaram a disputar clientes com os expositores autorizados pela prefeitura.
- Antes da pandemia, com a função dos ambulantes, ficou muito amontoado, e aí o povo deixou de vir - reclama Lisiane.
Em um cenário menos preocupante em relação à saúde pública, com permissão inclusive para as pessoas tirarem a máscara do rosto, a expectativa dos expositores é de reconquistar a clientela que se perdeu.
- A cada dia a gente mata um leão. As vendas caíram, o movimento todo caiu. Esperamos que os velhos tempos retornem, quando não tinha nem espaço para caminhar aqui na rua - projeta o antiquário Vitor Coelho, 63 anos, elegante em um traje branco adornado por uma bengala.
De um palco montado perto do Arco da Redenção, de frente para os expositores, Renita fez referência à instabilidade do tempo, à qual está sujeita a feira a céu aberto, para incentivar os colegas a prosseguirem.
- A gente trabalha se o tempo permitir. A gente vive sempre esperando uma bênção dos céus. Perdemos amigos e colegas nesses dois últimos anos de pandemia, mas nós ficamos e vamos levar adiante esse projeto. Às pessoas, que vocês continuem vindo aos domingos para nos dar um "oi". Assim, vamos sobreviver - disse, ao microfone.
O poeta Luiz Coronel emendou a celebração recitando um poema, em que uma das estrofes dizia o seguinte: "O povo tem pressa/ Que a alegria regresse/ Dançando e cantando no meio da rua”. Em seguida, o grupo Alma Gaudéria tocou e cantou um parabéns a você.
A celebração dos 44 anos do Brique da Redenção se repetirá no próximo domingo (27), combinando com os 250 anos de Porto Alegre. Haverá um desfile de carros antigos pela José Bonifácio, com posterior exibição dos veículos.