Com menos brasileiros procurando por auxílio alimentar ao longo da década de 2010, pontos que se multiplicavam pelas cidades foram sumindo. Eram os restaurantes populares, normalmente oferecidos pelo poder público como um espaço com almoço a valores simbólicos, entre R$ 1 e R$ 2. Desde o início da pandemia, entretanto, estes estabelecimentos têm voltado a ganhar espaço em cidades da Região Metropolitana. E as pessoas em situação de rua, que costumavam ser o principal público, dividem espaço com famílias em extrema vulnerabilidade social e idosos com baixa renda.
Entre 2018 e 2020, cerca de 9 milhões de brasileiros entraram para o contingente daqueles que vivem em insegurança alimentar grave. Sentem fome. Eram 10,3 milhões em 2018, passando para 19,1 milhões, em 2020 – cerca de 9% da população do país. E ao menos 112 milhões de brasileiros sofrem algum grau de insegurança alimentar, mais da metade da população. Os dados constam no inquérito nacional de insegurança alimentar na pandemia, elaborada pela Rede Penssan e com dados do IBGE, baseado na Escala Brasileira de Insegurança Alimentar (EBIA), também do IBGE.
Prato Alegre
A Capital inaugurou os primeiros dois espaços ainda antes da pandemia. Outros três locais abriram na sombra do coronavírus, com os alimentos sendo servidos em marmitas nos períodos mais acentuados da pandemia, inclusive. O espaço mais recente foi inaugurado na Zona Norte, em dezembro passado. A cidade nunca chegou a ficar propriamente sem bandejão. Ao menos um resistiu servindo almoços a preço módico até 2019, quando o sistema de refeições gratuitas iniciou sua implementação, batizado de Prato Alegre.
Outras cidades da Região Metropolitana, entretanto, nem tinham o estabelecimento ou haviam fechado o espaço há alguns anos. Agora, retomaram as operações. Em Canoas, por exemplo, o Restaurante Popular foi reaberto em abril de 2021 – depois de dois anos fechado. Neste mês, o local completou 35 mil refeições servidas desde a inauguração. São cem refeições diárias ao custo de R$ 1 cada. A prefeitura de Canoas retomou atividades com o foco que tinha no período anterior de funcionamento, “famílias de baixa renda e pessoas em situação de rua”.
– Há muitas famílias em dificuldade, que procuram diariamente o nosso Restaurante Popular. São pessoas humildes, que foram afetadas pelos efeitos sociais da pandemia e, por apenas R$ 1, têm acesso a um almoço saboroso e bem servido. As pessoas em situação de rua, não pagam nada – explica o prefeito de Canoas, Jairo Jorge.
“A comida é boa e a gente precisa”
A inauguração mais recente é em Guaíba, onde o espaço abriu as portas no dia 3 de janeiro, ainda nem completou o primeiro mês em operação. O estabelecimento fica no centro da cidade, num prédio cedido e reformado pela Câmara de Vereadores, a partir de um termo de cooperação com a prefeitura.
São servidos 80 almoços por dia para frequentadores cadastrados, sem a cobrança de valores. A prefeitura da cidade pontuou que “o impacto da pandemia sobre a renda, com a perda de emprego sendo a realidade de muitas famílias, foi uma das motivações para criação do serviço”. Conforme a administração, “a quantidade de pessoas em situação de pobreza e extrema pobreza no município levou ao diagnóstico da necessidade de implantação deste equipamento municipal”.
– A refeição é gratuita, não há nenhuma contrapartida pelas pessoas que utilizam este importante equipamento de inclusão social e de combate à fome – diz a prefeita em exercício de Guaíba, Claudinha Jardim.
Inflação
Desde a abertura, a pensionista Nara Lúcia Teixeira Silva, 65 anos, tem frequentado o Restaurante Popular de Guaíba. Morando de aluguel no bairro Cohab Santa Rita, ela vive com o salário mínimo que recebe do INSS e ajudas pontuais dos cinco filhos, que vivem na mesma comunidade. Com a pandemia e o aumento desenfreado dos preços, Nara sentiu no bolso a inflação.
– A comida é boa e a gente precisa. Então, sempre que posso, vou almoçar lá – conta a idosa.
Na Região Metropolitana, a cidade de Cachoeirinha é outra que tem um estabelecimento custeado pelo poder público já há alguns anos. Lá, são servidos cerca de cem almoços diários, ao custo de R$ 1 cada. Podem usar o local moradores de Cachoeirinha que tenham uma renda de até meio salário mínimo – em extrema vulnerabilidade social, idosos com renda de até um salário mínimo, além de pessoas que comprovadamente trabalhem no município e recebam até meio salário mínimo. O usuário deve passar por uma avaliação social, num dos Centros de Referência em Assistência Social (CRAS) da cidade.
Projetos em outras cidades
O cenário de ampliação na rede de restaurantes populares pela Região Metropolitana deve seguir para Viamão. De acordo com a prefeitura, um espaço do tipo será aberto na cidade ainda no primeiro semestre deste ano.
O estabelecimento ficará no chamado Complexo Ana Jobim, no bairro Cecília. O espaço era onde funcionava uma escola estadual de mesmo nome. Agora, um Centro da Juventude já ocupa parte da estrutura. No restante do espaço, além do Restaurante Popular, funcionarão Banco de Alimentos, agência do Sine e Conselho Tutelar – outras opções ainda sendo avaliadas pelo município.
Em Alvorada, também há um projeto relacionado a abertura de um estabelecimentos nos moldes de restaurante popular. O local seria fruto de uma parceria entre Estado e município, conforme a vereadora Nadir Machado (PTB). O financiamento ocorreria pelo programa fiscal Pró-Social, em que o projeto é gerenciado por uma entidade social em parceria com a prefeitura municipal, e o financiamento é realizado por empresas pagadoras de ICMS. O total do valor aportado por estas empresas receberia a dedução fiscal. Ainda não há mais detalhes ou previsão de como seria a operação, que também é um desejo do Executivo.
Entende-se que Alvorada necessita de um estabelecimento deste tipo há alguns anos. Só que tirar o projeto do papel têm sido difícil.