Com a diminuição das isenções tarifárias do transporte público da Capital, aprovada na última quarta-feira (24), na Câmara Municipal, a prefeitura de Porto Alegre estima, para 2022, uma redução de cerca de R$ 0,20 no cálculo que definirá o novo valor da passagem — hoje de R$ 4,80. Embora classifique a medida como importante para atenuar a crise no sistema, a Associação dos Transportadores de Passageiros de Porto Alegre (ATP) considera difícil que a estimativa se concretize.
A partir da aprovação do projeto de lei proposto pelo prefeito Sebastião Melo, os grupos beneficiados com as gratuidades nos ônibus caem de 14 para seis. Entre os usuários que deixam de ter o benefício estão professores, idosos de 60 a 64 anos (a isenção só valerá a partir dos 65) e estudantes com renda familiar per capita acima de R$ 1.650. Por outro lado, alunos de baixa renda e soldados da Brigada Militar e do Corpo de Bombeiros, entre outras categorias, ficam isentos (veja os detalhes abaixo).
Na prática, o reflexo no cálculo da tarifa, pela projeção da prefeitura, seria próximo de 4,5% em 2022. Isso não significa que o valor atual, de R$ 4,80, vai cair para R$ 4,60. Líder do governo na Câmara Municipal, o vereador Idenir Cecchim (MDB) explica:
— A ideia é que ao menos a passagem não aumente esses R$ 0,20 ou R$ 0,25 em 2022, porque muitos itens aumentaram violentamente, como o combustível, o aço, os insumos em geral. Não vai diminuir o valor da passagem atual. Vai deixar de subir esses centavos.
À frente da Secretaria de Mobilidade Urbana, Luiz Fernando Záchia reconhece que o impacto esperado é tímido, mas diz que é preciso “olhar o conjunto”, isto é, as outras mudanças em curso.
— É um conjunto de alterações que precisa ser levado em conta e que passa pela expectativa de privatização ou liquidação da Carris, pelo término dos cobradores, que levará quatro anos, mas que já terá algum impacto em 2022, e pela redução das isenções. Também há o retorno dos passageiros. Em fevereiro de 2021, o sistema estava transportando 268 mil pessoas por dia. Ontem, eram 523 mil. Tudo isso vai fazer com que haja certa estabilidade nas tarifas. Se tiverem aumento, não serão aumentos muito intensos. Se pensarmos somente nas isenções, o significado é muito pequeno. Vai baixar em torno de R$ 0,20, ou melhor, vai ter uma incidência na tarifa de R$ 0,20. Caso o valor ficasse estabilizado nos atuais R$ 4,80 em 2022, diminuiria R$ 0,21, mas não vai ficar estabilizado — pondera Záchia.
Na avaliação do engenheiro de transporte Antonio Augusto Lovatto, da ATP, é cedo para falar em valores e, hoje, não seria possível chegar ao impacto projetado pela prefeitura porque o número de usuários ainda está muito aquém do que era antes da pandemia.
— O cálculo foi feito em cima do volume de passageiros de 2019, mas estamos transportando 60% do que transportávamos naquele ano. Além disso, a categoria que mais terá restrições nas isenções é a classe estudantil, mas só 25% dos estudantes voltaram a usar os ônibus. Então a conta não fecha. Ainda assim, é importante destacar que todas as medidas que desoneram a tarifa estão corretíssimas. Certamente vai ajudar a reduzir custos e atenuar as dificuldades do setor — diz Lovatto.
A discussão em torno da nova tarifa deve começar em janeiro. A definição está prevista para fevereiro.
Para especialistas, corte nas gratuidades não resolve crise
Coordenador do Programa de Mobilidade Urbana do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Rafael Calabria acompanha de perto a crise no transporte público nas principais capitais brasileiras — entre elas, Porto Alegre. Especialista em Planejamento e Gestão de Cidades pela Escola Politécnica da USP, Calabria define a redução das isenções como pouco efetiva para sanar os problemas e, ao mesmo tempo, injusta com uma parcela da população.
— As pessoas que deixam de ter a gratuidade tendem a usar menos o serviço, que já vem perdendo usuários há anos. Com essa medida, o sistema vai perder ainda mais passageiros. Isso não vai resolver a crise — resume.
PhD em Transportes e ex-secretário de Mobilidade Urbana de Porto Alegre, Luiz Afonso Senna concorda que o problema do transporte público é a "perda sistemática de demanda ao longo do tempo". O foco dos debates, portanto, deveria ser outro.
— Por que no passado não se discutiam as isenções? Justamente porque havia alta demanda. É claro que reduzir as isenções ajuda porque passa a ter menos gente que não paga. Mas isso não vai sanar a questão central. Daqui a um ano, pode anotar, estaremos discutindo de novo o que precisa ser feito. O grande desafio é buscar soluções para que tenha cada vez mais demanda — diz o professor titular na Escola de Engenharia da Universidade federal do RS (UFRGS).
Uma das alternativas passa, segundo Senna, por estimular as viagens em horários opostos aos de maior movimento:
— Temos de botar mais gente a andar de ônibus fora dos períodos de pico. Por que não oferecer desconto nesses horários? Para atrair mais clientes, é preciso usar a lógica de mercado.
Para Calabria, é preciso subsidiar o sistema e vincular isso à qualidade do serviço e ao custo das passagens, e não mais ao número de passageiros. A questão é como fazer isso, considerando as dificuldades financeiras das prefeituras.
O secretário de Mobilidade Urbana, Luiz Fernando Záchia, reconhece que é preciso ir além.
— Se quisermos mudar o sistema de transporte público de Porto Alegre, temos de ter novas receitas extratarifárias. Não tem saída. E nós estamos trabalhando nisso. Já existe um fundo, agora temos de botar dinheiro nele. Vai ser via reformulação da Área Azul? Vai ser com a criação de uma loteria municipal, como sugere o prefeito? Está sendo contratada uma consultoria da Fundação Getulio Vargas para fazer todo esse desenho da reestruturação do sistema. Temos de avançar nisso — ressalta Záchia.
Como reagiram as principais categorias afetadas pelos cortes
O fim da meia passagem a professores, após mais de duas décadas de isenção, provocou críticas do Cpers-Sindicato. Em vídeo publicado nas redes sociais, Edson Garcia, 2º vice-presidente da entidade que representa os educadores estaduais, classificou a aprovação da medida como “uma vergonha”.
— Infelizmente, a prefeitura, representada pela maioria dos vereadores e vereadoras, prova que não tem compromisso com a educação — lamentou Garcia.
Presidente da União Metropolitana dos Estudantes Secundários de Porto Alegre (Umespa), Anderson Farias diz que a entidade optou por dialogar com o governo e com os vereadores para “evitar o pior”. Até agora, os alunos pagavam apenas metade da passagem. Agora, isso mudou, mas, segundo Farias, foi possível obter uma conquista histórica: o passe livre para estudantes de baixa renda.
— Decidimos agir diferente e dialogar, em uma política de redução de danos. Conseguimos que a maior parte das nossas reivindicações fossem atendidas. Mas é claro que não vamos parar por aqui. Vamos seguir lutando por nossos direitos porque não somos a causa dos problemas do transporte público — afirma Farias.
Como ficaram as isenções de tarifa na Capital
Estudantes
Atualmente, todos os matriculados nos ensinos Fundamental, Médio e Superior recebem 50% de isenção na primeira e na segunda viagem, chamada de meia passagem. O projeto da prefeitura faz um recorte de renda familiar per capita, alterando o texto da seguinte forma: estudantes do Ensino Fundamental com renda familiar per capita de até R$ 1.650 recebem 100% de isenção na primeira viagem; alunos dos ensinos Médio e Técnico com ganhos de até R$ 1.650 recebem 75%, e os de cursos profissionalizantes, graduação e preparatório, também com proventos de até R$ 1.650, ficam com 50%.
Idosos
Também há modificações para os idosos, que hoje são plenamente beneficiados. O projeto aumenta o limite de idade e estipula que somente pessoas com mais de 65 anos recebam isenção.
Portadores de HIV
Pessoas portadoras de HIV e respectivos acompanhantes, que foram retirados na primeira versão da proposta, voltaram a ser incluídos após uma audiência pública realizada em 9 de novembro. No entanto, para receberem o benefício, precisam ter renda per capita de até R$ 6,6 mil.
Pessoas com deficiência física e mental
A isenção será concedida a quem mantiver o cadastro regular e atualizado junto à sua entidade representativa, com inscrição no CadÚnico e cuja renda familiar não supere R$ 6,6 mil.
Outros
O projeto retira o benefício de professores, oficiais de Justiça, carteiros, agentes de fiscalização, guardas municipais, Brigada Militar e ex-combatentes. No caso de policiais militares, seguem recebendo isenção da tarifa os que estiverem em serviço.