Maria do Carmo Chaves Alves sabe o que é acolhimento desde a infância: órfã, ela teve de deixar o Vale do Rio Pardo na década de 1920 e se mudou para a casa de uma família da Capital. Hoje, aos 93 anos, ela vive na Sociedade Porto-Alegrense de Auxílio aos Necessitados (Spaan) junto a outros 118 idosos e a um rádio, inseparável.
— É nosso companheiro. Aprendi a ouvir rádio com o meu falecido marido, que era muito gremista e acompanhava o futebol da Gaúcha o dia inteiro. Mas eu sou colorada — reforça.
Sem parentes diretos, o equipamento se tornou mais do que distração para Maria do Carmo. Virou objeto de admiração. Tanto que ela o transformou em uma obra de arte, a partir de materiais reciclados: a antena ganhou um extensor de madeira e cordas coloridas. No topo, uma estrela com laços e a tampa de um pacote de biscoitos.
— Eu não coloco nada fora — complementa a artista.
De acordo com a assistente social Roselaine Aguirre, o carinho pela companhia das ondas sonoras é compartilhado pela maioria dos residentes:
— É fundamental, ainda mais nesse tempo de isolamento social. Eles estão sempre na minha sala dizendo: “Rose, minha pilha acabou, Rose, meu rádio estragou”.
Para atender os que estão sem o eletrônico, ou que não consigam compras pilhas, a instituição de fins filantrópicos criou uma campanha de arrecadação. As baterias mais procuradas são AA e AAA — essa última popularmente conhecida como pilha palito —, mas todo modelo é bem-vindo. Não há distinção de equipamentos, desde que estejam em bom estado e funcionando sem interferências.
As doações podem ser deixadas na portaria da entidade, na Rua Frederico Etzberger, 635, bairro Nonoai, zona sul de Porto Alegre. Um cartaz foi instalado próximo da grade, identificado a distância.
No quarto de Hilda Quirino, 64 anos, o CD player liga no primeiro horário da manhã — sua colega de quarto, afirma, aprendeu a gostar de música e dos radialistas pelo hábito da amiga. Nos últimos dias, porém, o kit essencial para funcionamento descarregou. E ela diz não ter como repor as seis pilhas AA.
— Não dura, né, a gente ouve o tempo todo, leva pro pátio, ele tem que tá falando sempre — garante.
Os acolhidos pela Spaan contribuem com 70% da aposentadoria. Na maioria dos casos, o rendimento se limita a um salário mínimo. Outra parte dos custos é mantida em um convênio com a prefeitura.
As contribuições de quem vê no local uma forma de retribuir à população idosa de baixa renda são indispensáveis, garante a diretoria.
Em uma rápida visita ao pátio central, na manhã desta quinta-feira (5), ficou evidente o esmero dos 120 trabalhadores: o chão não tinha sujeira acumulada, e o refeitório, da mesma forma, estava em ordem. Carrinhos com roupa de cama recém-lavadas estavam a caminho dos dormitórios. A fachada dos edifícios, em bom estado, combina com uma área reformada recentemente. Na igreja ecumênica, todas as religiões são tratadas com o mesmo respeito.
— O trabalho aqui é feito com muito amor. Eu sou apaixonada por eles, meus meninos e meninas, como eu brinco — complementa a assistente social, com o elogio retribuído de bate pronto pelos moradores que acompanharam a entrevista.
— Esse nome, Spaan, eu ouço desde criança. Eu adoro aqui — finaliza Maria do Carmo.
A Spaan foi fundada pelo Rotary em 1931. No próximo 21 de agosto, comemora 90 anos. Apesar de a população estar vacinada com as duas doses da contra a covid-19, os gestores estudam celebrações que preservem a saúde dos idosos, atividades que estão em debate dentro do conselho.
Os contatos com a entidade podem ser feitos pelo telefone 51 3247-7400, no Facebook Spaan.org ou no Instagram @spaan_org. Ajudas também são encaminhadas diretamente pelo site www.spaan.org.br/doacoes. O CNPJ da instituição é a chave PIX para depósitos bancários: 92.855.600/0001-50.
Confira a entrevista de Maria do Carmo e Hilda Quirino ao programa Gaúcha Hoje, da Rádio Gaúcha: