Por José Francisco Alves
Doutor em História da Arte, docente no Atelier Livre Xico Stockinger
Porto Alegre teve uma forte produção artística no início do século 20, por meio da decoração dos edifícios, com esculturas originais e elementos diversos, em fenômeno que não encontra similar. Foi a época de ouro da arquitetura historicista (“ecletismo”), com um boom de indústria estatuária que propiciou numerosa produção em fachadas, a qual conectava-se com os monumentos públicos e a arte cemiterial. Internamente, esses prédios também receberam profícua decoração, em pintura decorativa, entalhes, vitrais e mobiliário. Na pintura, tivemos a atuação de um notável artista, Fernando Schlatter (1870-1949), quase um desconhecido na historiografia da arte do Estado, mas cujas obras muitos de nós já as admiramos sem saber sua autoria.
Ferdinand Schlatter nasceu no sul da Alemanha, em Lindau, Estado da Baviera, em 7 de julho de 1870. Após precoce aprendizado artístico em ateliê local, trabalhou em arte decorativa em diversas cidades europeias. Em 1899, usou suas economias para imigrar, com esposa e filha, para o Rio Grande do Sul, instalando-se na zona rural de Ijuí. Em 1901, cansado da vida da lavoura e vendo que em sua formação havia poucos profissionais na província, foi para Cruz Alta e em seguida para Porto Alegre. Na Capital, recebeu importante encomenda, a decoração do salão nobre da nova intendência, atual Paço dos Açorianos, construído entre 1899 e 1901. Esse trabalho talvez o tenha ocupado bastante tempo, pois recebeu pagamentos da prefeitura entre 1903 e 1904.
Schlatter participou de mostras, como a Exposição Estadual de 1901, e nada menos do que a representação de belas artes do Brasil na Feira Mundial de Saint Louis (EUA) em 1904. A maioria das suas obras murais se perderam, com a demolição dos edifícios, casos de Teatro Polytheana (1903), Igreja do Rosário (1911) e Igreja Evangélica (1922), entre outros. Várias desapareceram por causas diversas, como a decoração da Confeitaria Rocco, realizada por volta de 1917, um dos seus mais volumosos trabalhos, que sumiu com a degradação do prédio, e as pinturas do salão nobre do Paço foram destruídas, após os anos 1920, por repinturas das paredes.
Naturalizado brasileiro logo que chegou ao país, Schlatter aportuguesou o seu primeiro nome, inscreveu-se como eleitor e atuou na sociedade porto-alegrense em muitas frentes, com intensidade, sendo difícil nominar tantas atividades. Como exemplo, no Carnaval de rua e dos bailes foi diretor de entidade, cenógrafo e pintor de ambientes. Junto ao Turnerbund (atual Sogipa), no qual cumpriu funções diretivas por décadas, ele foi o principal mentor da primeira Oktoberfest realizada no Brasil, em 1911, organizada pela Associação Die Haberer, da qual foi fundador. Faleceu em 7 de setembro de 1949 e encontra-se sepultado no Cemitério Evangélico da Capital.
Entre seus poucos trabalhos que restaram, os mais conhecidos decoram a magnífica Biblioteca Pública do Estado (1911-1922). Essa edificação é das mais icônicas do período eclético, uma obra completa de arte e arquitetura, interna e externa. Entre as pinturas decorativas de Schlatter preservadas no prédio, que todavia necessitam de restauro, as principais compõem os Salões Mourisco, Egípcio e a Sala Borges de Medeiros, realizadas entre fins de 1921 e 1923. Na Biblioteca Pública poderia ainda haver mais pinturas decorativas preservadas se não fosse em 1956 serem repintadas paredes de várias peças, corredores e escadaria, por decisão do diretor da Divisão de Cultura, Ado Malagoli. Porém, tudo indica que o que foi feito é reversível em boa parte, podendo muita arte ser no futuro recuperada.
Mais nomes pouco conhecidos de nossa arte, bem como os mais célebres, serão vistos no curso História da Arte no RS, a partir de quinta-feira, 12 de agosto, no Atelier Livre Xico Stockinger (atelierlivre.wordpress.com), com um panorama das missões jesuíticas à contemporaneidade.