Era uma tradição da Cidade Baixa. Os porto-alegrenses iam ao Guion pegar um cineminha, tomavam um café enquanto esperavam a sessão, viam o que havia de novidade na livraria. Às vezes, ficavam um pouco mais por ali depois do filme para tomar um chope também. Mas os frequentadores do Nova Olaria não devem encontrar o espaço igual quando a pandemia acabar.
Com planos de fechar as portas em setembro, o Guion deve ser o desfalque mais importante da tradicional galeria da Rua General Lima e Silva, mas não é o único. A maioria das lojas do local está fechada. Uma das primeiras baixas por causa da pandemia de covid-19 foi em julho do ano passado: o Bar de Cervejas Especiais Infiel, que estava há seis anos ali. Em setembro, foi a vez do restaurante típico Santa Arepa, criado por imigrantes venezuelanos. Agora, a previsão de construção de um prédio residencial no entorno pela proprietária do Nova Olaria, a Dallasanta, tornou o cenário para quem ficou ainda mais incerto.
O dono da Bamboletras, Milton Ribeiro, fez, nesta semana, em seu perfil do Facebook, um relato que alarmou os fiéis clientes da livraria: levantou a possibilidade de deixar o endereço em razão de obras que a proprietária do centro comercial, a Dallasanta, pretende fazer. Por nota, a empresa confirmou que “tem interesse e estudos em andamento para investir e qualificar ainda mais o espaço”, mas não deu mais detalhes (veja a nota na íntegra abaixo).
Ribeiro fez uma reunião com representantes da Dallasanta, que teriam oferecido “facilitar o aluguel” para a livraria em um prédio da Cidade Baixa até o fim das obras. Mas grafou na rede social: “Duas mudanças é pra matar. Talvez fosse melhor apenas sair no primeiro semestre do ano que vem. Ou estamos tão grudados ao Nova Olaria que seria melhor retornar? Esta é uma questão em aberto”.
A GZH, o dono da livraria destacou que pretende ficar no centro comercial, pelo menos, até o final do ano:
— A gente quer pegar o Natal aqui, que é a grande safra do comércio. Não queremos nos mudar antes.
Ele analisa três possibilidades: deixar o centro comercial e voltar ao final da obra, sair para se instalar definitivamente em outro ponto ou mesmo ter dois endereços, incluindo o Nova Olaria.
— Mas o pessoal da Dallasanta reconhece a nossa importância, estamos ali há 24 anos ali, é o nosso endereço tradicional — ameniza.
De qualquer forma, Ribeiro avalia que o fim do Guion acabará afetando as vendas na Bamboletras. Isso porque eles compartilhavam o mesmo público.
— A gente sabia quando tinha sessão porque vinha mais gente para dentro da livraria e, de repente, saía todo mundo: sinal de que começaria o filme. Nos ajudava, ter o cinema ativo — relata.
À frente do Torre de Pizza, os comerciantes mais antigos do Nova Olaria, Rafael Freitas Teixeira, 46 anos, e o pai, Enio, 73, também vivem uma indefinição. Rafael lamenta que não há informações oficiais sobre o que será feito com a galeria, diz que sabe mais do futuro do Nova Olaria por meio de relatos de clientes.
— A gente inaugurou o Olaria, estamos aqui desde 31 de agosto de 1994, antes mesmo do Guion. Não queríamos sair, pois temos um ponto consolidado, uma clientela fiel. Mas a gente está num limbo, não sabe o que vai acontecer — diz.
Ele também lamenta o fechamento do Guion, que era, nas suas palavras, “um espaço totalmente diferenciado”. E conta que, para não serem pegos de surpresa, também já estão procurando opções de imóveis por perto.
A reportagem entrou em contato com a Secretaria Municipal da Cultura para pedir uma posição sobre o projeto de construção de um prédio residencial no entorno, mas, até o fechamento deste texto, não havia recebido retorno.
Confira a íntegra da nota da Dallasanta
"Sobre o Nova Olaria e possíveis modificações no empreendimento, a Dallasanta esclarece que, como proprietária do centro comercial, tem interesse e estudos em andamento para investir e qualificar ainda mais o espaço. Para isso, trabalha com a reforma do Olaria e não com sua substituição para construção de prédio residencial. A possibilidade de unidades de moradia, se aprovadas, serão no entorno do que se tem hoje. Como os projetos passam por aprovações internas e licenças necessárias, destaca que é do interesse da empresa conservar as características principais de comércio, cultura e a marca Olaria já consolidada, respeitando os estabelecimentos que funcionam no local. Em breve, a Dallasanta divulgará o projeto idealizado para o espaço para que comerciantes, comunidade e a cidade de Porto Alegre ganhem ainda mais opções de cultura, entretenimento e moradia na Cidade Baixa."