— Três, dois, um!
A contagem regressiva pouco antes de descer uma das rampas da nova pista de skate na orla do Guaíba, na tarde ensolarada deste sábado (31), uniu pais, filhos e instrutores em um misto de orgulho, emoção e diversão. Crianças e adolescentes com deficiência participaram de uma espécie de test drive daquela que é considerada a maior pista da América Latina.
A expectativa é de que, em breve, o espaço possa estar aberto ao público. A obra do novo trecho revitalizado em Porto Alegre está na fase final e tem previsão de ser concluída até o fim de agosto.
O sorriso no rosto de Tuyng Marques, 11 anos, quando conseguiu se equilibrar pela primeira vez sobre o skate resumiu o sentimento que move os envolvidos na ação. O equipamento da menina foi adaptado para facilitar o uso por crianças, que, assim como ela, têm dificuldade de mobilidade.
— Olha! — dizia a menina, encantada, chamando a atenção da mãe, Vânia Marques, 40 anos, enquanto era auxiliada pelo pai, Márcio Marques, 43 anos.
— Filha, segura! — orientava o pai.
— Olha o sorriso dela — comentava Vânia, orgulhosa.
Com paralisia cerebral, a garota é uma das crianças atendidas pela Fundação de Atendimento de Deficiência Múltipla (Fadem) em Porto Alegre. A entidade foi uma das organizações presentes no evento desta tarde. A ação foi realizada em parceria entre a prefeitura, o projeto SkateAnima, que há sete anos trabalha na inclusão de crianças e adolescentes por meio do esporte, e a Spot SkateParks, que atua na obra do complexo.
— Este evento é para mostrar a importância da inclusão de todas as pessoas nessa obra, o que é esperado por todos. E a gente quer que todo mundo use. É uma pista bem democrática. Isso é uma obra com 100% de acessibilidade. É muito legal mostrar que o espaço é realmente para todos — disse o secretário de Obras e Infraestrutura de Porto Alegre, Pablo Mendes Ribeiro, enquanto assistia as crianças andando nos skates adaptados.
— Olha como tu está grande filha! — dizia a administradora Naiara Morales, 28 anos, ao ver Sofia Morales Leite, seis anos, em um aparelho que une andador e um skate adaptado.
Com hidrocefalia, a menina vem conseguindo melhorar a postura por meio de sessões de fisioterapia, que incluem bicicleta e skate, mas essa foi a primeira vez que ela esteve em uma pista de verdade.
— Ai, meu coração. Nunca imaginei que a minha filha poderia estar assim, andando de skate, em uma pista – disse a mãe, quando via a menina descer alguma das rampas sendo empurrada por Stevan de Melo Pinto, 41 anos, fisioterapeuta e um dos idealizadores do projeto Skate Anima.
Entre as participantes da atividade, uma das mais animadas era Nayumi Reis, 18 anos. A jovem foi uma das precursoras do projeto Skate Anima. Foi ela quem desafiou Stevan a pensar em uma alternativa para que as crianças com dificuldade de mobilidade conseguissem praticar o esporte.
Em 2015, ele atendia Naiumy, na época com 12 anos, quando ela pediu para que ele levasse seu skate para que ela pudesse aprender a andar. Diante do pedido, o fisioterapeuta passou a pensar em uma forma que a menina, que usa cadeira de rodas, pudesse ficar em pé e experimentar o esporte. Decidiu adaptar o andador, usado nos treinos, e acoplar o skate embaixo.
A partir daí, novos equipamentos foram desenvolvidos para que crianças com diferentes limitações de mobilidade consigam praticar o esporte. E Nayumi nunca mais parou.
— Ela adora. Achei muito bacana abrirem a pista antes para eles experimentarem, explorarem, para depois, quando inaugurada, compartilharem com os outros — diz a mãe de Nayumi, Roberta dos Reis, 39 anos.
Para Stevan, skatista desde a infância, a iniciativa resume bem o espírito do esporte: uma prática inclusiva, onde todos são aceitos. As conquistas recentes nas Olimpíadas de Tóquio, com as medalhas de Rayssa Leal, 13 anos, a Fadinha, e Kelvin Hoelfler, 27, também são vistas como incentivos para crianças e adolescentes. A expectativa, inclusive, é que a Fadinha possa participar da inauguração da pista em Porto Alegre.
— O skate já foi um esporte marginalizado e até proibido, como em São Paulo. Mas sem dúvida começa a haver uma mudança de olhar para o esporte, que para mim representa amizade, diversão e união. Um esporte onde um torce e vibra pelo outro, pelas conquistas do outro. É o que estamos fazendo aqui hoje — diz Stevan.
A pista
Considerada uma pista democrática, para atender diferentes públicos, do iniciante ao de alta performance, a estrutura tem ao todo 6,2 mil metros quadrados. A construção está 99% pronta, segundo a prefeitura, faltando apenas a pintura de obstáculos.
Cerca de 2 mil metros abrangem as três pistas para a modalidade park: a principal, que deverá ser certificada para sediar competições, a bowl, que remete às piscinas vazias que deram origem ao esporte, e a snake run, mais rasa e sinuosa, para iniciantes.
Os demais 4 mil metros quadrados serão dedicados à modalidade street, em que o skatista pratica superando obstáculos. Nesse espaço, os equipamentos homenagearão outros pontos clássico do skate Porto Alegre, como os corrimões da Câmara Municipal, os bancos do calçadão de Ipanema e ponte da Praça Itália.
A área, entre o Arroio Dilúvio e o Parque Gigante, tem previsão de ser inaugurada até o fim de agosto. O novo trecho revitalizado da Orla terá também 29 quadras esportivas e duas academias ao ar livre.