Em meio às propriedades rurais do Lami, uma imagem de 17 metros de altura de Nossa Senhora de Fátima capta a atenção de quem passa pela Estrada do Varejão. É o cartão de visitas de um espaço religioso diferente de qualquer outro de Porto Alegre. A professora Rosane Teresinha Zan, 53 anos, chegou a parar o carro para tirar fotos.
— A gente estava tentando descobrir o que é — conta.
A curiosidade só aumenta dobrando na Rua Luiz Corrêa da Silva, onde bandeiras coloridas e outras imagens sagradas decoram postes, passeios e portões da propriedade. Uma placa com uma seta para a direita manda avançar mais alguns metros: "Entrada de médiuns e visitantes”.
Ali fica o Templo Universal da Paz Pai Francisco de Luanda, um terreiro umbandista de caráter universal. Ele parte da umbanda, mas tenta englobar um monte de outras crenças: espiritismo, hinduísmo, esoterismo, budismo, catolicismo...
— Todas as correntes de bem — resume Maria Corrêa dos Santos, 68 anos, a Mestra Tala.
O espaço foi fundado na década de 1950 pelo seu pai, mas foi ela quem decidiu transformá-lo em uma vila de templos — garante que já são 45 na área de dois hectares. Tala acredita que, em outra vida, foi filha de Pitágoras, o filósofo grego que viveu nos anos 500 a.C.
— Ele me disse: “a tua missão é construir santuários”.
Tem casa cigana, tem a Senzala dos Pretos Velhos, um castelinho para São Jorge, há até uma loja maçônica dentro da propriedade. O templo xamânico lembra uma oca gigante feita em madeira e telhas coloridas. O chão é de areia, tem galhos no centro sugerindo uma fogueira e há incontáveis objetos pendendo do teto — arco e flecha, cordões com conchas, um bambolê decorado com penas e imagens de indígenas de diferentes partes do mundo misturadas. O templo hinduísta e budista também mescla estatuetas de diversas crenças orientais, além de bongôs que a Mestra Tala toca “para despertar o ser”.
Mas a estrela do lugar é uma pirâmide da altura de um prédio de sete andares. Inaugurada em 2014, ela surgiu em uma visão da Mestra Tala quatro décadas antes. Foi o templo que mais levou tempo para sair do papel — uma eternidade para uma "leonina imediatista".
— Foi difícil, é caríssima.
Feita com materiais metálicos sobre um monte de cristais, a pirâmide homenageia os pais da Mestra Tala. Dentro há fotos, objetos pessoais e dois manequins representando os dois. Ela pretende ainda trazer seus restos mortais: até já abriu uma tumba de vidro sob a pirâmide.
O templo que Tala escolheu para começar a entrevista imita a arquitetura grega, com colunas dóricas e um guerreiro vigiando a entrada. Dentro há lâmpadas vermelhas e um altar lotado de imagens, principalmente, de Santa Bárbara. No sincretismo religioso, ela é a orixá Iansã. É a ela que esse prédio é dedicado.
Foi ali que Tala deu as boas-vindas e desatou a derramar em nós suas visões:
— Em uma das tuas vidas tu foi um frei franciscano. E na outra encarnação tu foi um escritor das obras de Allan Kardec. Vem viagem à França para ti — disse para o fotógrafo Mateus Bruxel, virando em seguida para a repórter:
— E tu foi uma sacerdotisa no Egito. Mas tu estás na tua tempestade. Está faltando um lindo bebê na tua vida: não fecha as portas para a maternidade.
Voltou para o Mateus:
— Cuida o teu joelho, cuida a tua coluna. Tu tomou um tombo muito feio, tá lembrado? Tu tinha seis anos de idade.
A leitura embaralhando passado, presente e futuro durou uns cinco minutos, mas Mestra Tala deixou claro que poderia fazer isso a manhã inteira. O dinheiro que financia as obras dos templos vem da leitura de cartas e outros atendimentos desempenhados no local. Também vem de doação.
— Quando alguém quer me presentear eu digo: me dá cimento. O que eu gosto de receber é materiais de obras.
Segundo Tala, os próprios fiéis projetam os templos: aquele de Iansã, por exemplo, é obra de um mecânico de carros.
Ao lado, o som de martelo e da serra anuncia uma nova obra. Será a réplica de uma mesquita muçulmana, onde Tala quer expor exemplares dos livros sagrados do mundo inteiro. Ela garante que, enquanto viver, alguma coisa vai estar construindo:
— Em nome do grande arquiteto do Universo.