As paredes do estúdio são repletas de fotografias — casais no embalo de samba de gafieira, salsa, pagode e outros tantos ritmos, com vestimentas características de cada estilo. Somente uma imagem é repetida: Paulo Pinheiro ao centro, no espetáculo La Magia del Tango, vencedor do Prêmio Açorianos de Dança 2008. A apresentação, no Theatro São Pedro, ocorreu há quase 15 anos, mas a lembrança ainda arranca sorrisos do experiente dançarino.
— São tantas histórias. Percorremos o Brasil inteiro com nossa companhia de dança — lembra.
Com 67 anos de idade — mais da metade, 35, dedicados à arte —, o professor e coreógrafo foi forçado a deixar os palcos. Fechou a academia, no bairro Jardim Botânico, em Porto Alegre, ainda com 300 alunos ativos.
A limitação das atividades começou em março de 2020, quando a pandemia de coronavírus se espalhou pelo Brasil. Nos primeiros meses, ainda tentou manter o espaço por meio de empréstimos bancários, dívidas pelas quais busca renegociação até hoje.
— A mim, ninguém ajudou. Fiz empréstimos com juros altíssimos e fiquei devendo, porque parou a academia totalmente — conta.
Sem renda em 2021, Paulo transformou um hobby em profissão. Na sala onde lecionava, instalou bancadas, serrote, furadeira e uma série de máquinas de corte. Fez um curso online e recebeu um certificado. Virou marceneiro, encontrando os primeiros clientes no círculo de amigos.
— Comecei fazendo coisas para me distrair, com ferramentas usadas. Fiz um curso online, meus amigos descobriram e começaram a pedir. E eu não consigo parar hoje, de tanta encomenda.
É a segunda vez que o espaço do Jardim Botânico se reinventa desde que foi criado, nos anos 1980. Inicialmente, a área onde hoje Paulo fabrica os móveis servia de garagem do estúdio e da residência da família — a casa em que vive com a esposa e a filha fica no segundo andar da escola. Com alta demanda pelas lições de dança, o estacionamento foi transformado em sala de aula.
Para o dançarino-marceneiro, mudar é ainda mais comum: na década de 1970, teve uma oficina mecânica, que chegou a um quadro de 15 funcionários. Anos depois, na crise gerada pelo conjunto de medidas econômicas do então presidente Fernando Collor de Mello, a empresa entrou em derrocada. Como já partilhava parte do edifício e do tempo com as aulas de ritmo, abandonou os automóveis pelos passos artísticos.
— Tenho amigos em depressão porque perderam o emprego e não sabem o que fazer. Eu digo, invente. Faça sua vida crescer de novo. Acredite, lute — inspira.
O prédio de 600 metros quadrados conserva recepção, bar, salões e um belo palco, ao estilo das casas noturnas de Buenos Aires, com lustre, iluminação por canhões de luz e espelhos por todos os lados. Em um canto, as cadeiras usadas no último espetáculo seguem empilhadas. O camarim se mantém impecável, mesmo sem acesso de qualquer bailarino. Os planos incluem a retomada da companhia, assim que pandemia estiver controlada.
— A academia eu paro só quando Deus não quiser mais — diz, emocionado.
Parte das encomendas, como bancos e bidês são expostas no Instagram @spaulopinheiro. O contato pode ser feito também pelo WhatsApp (51) 99986-2146.