O casarão de número 386 da Rua Doutor Barros Cassal tem a pintura preta, verde e laranja descascando. O andar superior, com pedaços das esquadrias quebrados, ostenta uma faixa de "Aluga" - assim como vários outros imóveis da rua, no bairro Independência.
Aquele lugar já viveu tempos mais agitados. Na memória afetiva de uma geração de roqueiros, figura como o "melhor e mais chinelo" bar de Porto Alegre. O Garagem Hermética foi um reduto do underground em Porto Alegre na década de 1990 e começo dos anos 2000.
Ele foi fundado por Leo Felipe, um jovem bancário, e por um outro garoto ruivo que tocava uma guitarra purple na banda Brigitte Bardot - o Ricardo Kudla. No livro lançado por Leo em 2014, A Fantástica Fábrica, as memórias do "Velho Garagem" envolvem sexo, drogas e bebedeiras vivenciadas por pelo menos duas gerações de jovens cheios daquela energia que o autor sintetiza simplesmente como "roquenrol".
A musa indie Cat Power (antes de obter projeção mundial) e os punk rockers do Agnostic Front e do Lagwagon passaram por ali. Muitos nomes do cenário nacional também pisaram no palco do Garagem, mas seu lugar cativo na história cultural da cidade se dá pelo espaço que concedeu aos artistas locais.
Shows de Replicantes, Ultramen, Júpiter Maçã faziam ondular o piso de madeira à frente do palco. É possível que o Cachorro Grande nem tivesse existido sem o Garagem - Beto Bruno conheceu os parceiros de banda ali.
Que lugar é este?
Esta matéria faz parte do especial "Que lugar é este?", que começa como uma provocação aos leitores do jornal Zero Hora e das redes sociais de GZH a partir do detalhe de uma foto para, então, ter a história do local ou dos personagens envolvidos contados no site.
Na época do fechamento do Garagem, em 2013, o cineasta Carlos Gerbase, ex-vocalista e baterista d'Os Replicantes, traduziu o local desse jeito:
- O rock precisa de locais quentes e escuros, em que se tropeça numa garrafa de Jack Daniel's antes de subir no palco e em que se respira fundo antes de entrar no banheiro.
Para ele e outros órfãos do Garagem, ficou a sensação de que o rock de Porto Alegre perdeu uma de suas mais importantes referências culturais.