Grato pela condição financeira que possui, Leandro Garcia, 51 anos, decidiu gastar parte do dinheiro em uma causa nobre. O músico transformou R$ 1,5 mil em 200 quentinhas – como ele chama as refeições servidas em uma marmita de isopor.
Distribuiu a comida a pessoas em situação de rua nas comunidades mais pobres de Porto Alegre, uma forma encontrada para amenizar a fome de quem viu os rendimentos minguarem com a pandemia de coronavírus.
— Eu vi o comércio todo fechado no Centro e fiquei pensando como essa gente toda que depende do trabalho vai comer. Liguei pro Flávio e ele topou abrir a cozinha em parceria — relembra.
Flávio Pereira, 58 anos, é o proprietário do restaurante instalado no Clube dos Jangadeiros, no bairro Tristeza, zona sul da Capital. O local, de belezas exuberantes às margens do Guaíba, passou meses fechado – ou atendendo com restrições – pelos inúmeros decretos do último ano.
Subutilizada, a cozinha estava restrita a um pague e leve, com baixo movimento devido à ausência de velejadores.
— Quando abrimos para fazer as refeições doadas, pudemos trazer também nossos cozinheiros de volta. E o sentimento de ajudar é sem palavras — define o dono do bistrô.
A refeição oferecida nas ruas é inspirada no prato "velejador": feijão, arroz, massa, molho e carne. Com batata frita, ovo e bife, a a la minuta tradicionalmente servida no clube é a mais pedida por quem chega exausto de um dia a bordo das embarcações.
O preparo das marmitas começou ainda em 2020. Em 12 meses, 5 mil entregas foram realizadas, em roteiros indicados por outros voluntários ou até mesmo em incursões itinerantes com a kombi do restaurante.
Aquele primeiro valor investido, relembra Lelê – como Leandro é conhecido por amigos e no meio musical – retornou pouco tempo depois, por meio de outros sócios do octogenário clube náutico.
— Compartilhei entre amigos as primeiras doações, e os sócios começaram a depositar seus valores. Queriam ajudar na pandemia, mas não sabiam como. Logo, eu já tinha muito mais que os R$ 1,5 mil. Decidi usar o dinheiro para outra ação, e não parou mais — conta.
Lelê é o fundador do grupo Samba Lelê. A banda realizou, durante o período de quarentena, apresentações em lives na internet, reunindo artistas convidados de outros Estados. Nas transmissões, o público podia contribuir com qualquer depósito, revertido em alimentos para o preparo das quentinhas. O contato para parcerias, ou doações, é pelo perfil do grupo no Instagram.
— Todo dinheiro cai na conta do restaurante. Eles compram os alimentos mais baratos que uma pessoa física, e assim deixamos o processo transparente — diz Lelê.
Em uma das ações, os voluntários acabaram surpreendidos: entregaram a marmita a um morador de rua, que retribuiu com um pacote de massa fechado. O argumento do homem era que não tinha onde cozinhar o macarrão. Afirmou que, com o grupo, a comida teria o destino correto.
Relatos como esse enchem de esperança Bruna Francieli Vieira de Azeredo Alves, 26 anos, funcionária do restaurante do clube.
— Minha família mesmo sempre ajuda em datas como Páscoa, Dia das Crianças. É muito bom fazer isso — responde a jovem, que preparava a cozinha na manhã desta quarta-feira (14).
Assim que divulgou a amigos a visita da reportagem de GZH, Lelê viu uma nova "rede do bem" se formar. Recebeu 60 quilos de arroz, 30 quilos de massa e mais 30 quilos de feijão, além de pacotes de molho de tomate, em apenas uma tarde.
— A gente não leva nada da vida. É o que fazemos aqui que importa — finaliza, emocionado ao contabilizar as novas doações.
Como ajudar:
Quem quiser ajudar pode entrar em contato com o organizador da ação, o Lelê, pelo telefone (51) 98179-4707. Também é possível fazer um Pix para o restaurante, pela chave: speventosgastronomicos@gmail.com.