A casa de madeira em paredes amarela, azul e rosa exibe ainda janelas em outros tons, complementando a paleta de cores. Bela e aconchegante, contudo, a sede da escolinha mantida pelo projeto Valentes de Davi, no bairro Lageado, extremo-sul de Porto Alegre, é insuficiente para acolher as cerca de 40 crianças da comunidade do Beco do Buda.
— Se chove, não tem como reunir todo mundo, é apertado. E as crianças já me esperam na frente de casa, de manhã cedo, pois elas querem aula todos os dias — conta a professora Raquel de Oliveira, 29 anos.
Voluntária na ONG, Raquel vive no Beco do Buda há um ano, após passar por inúmeros lares em Viamão, na Região Metropolitana. Ela ensina alfabetização para anos iniciais e recreação. Enquanto ajeita os bichinhos de pelúcia, bonecos e outros joguinhos espalhados nas classes de madeira, relembra outra situação que aflige os vizinhos: a pouca estrutura de quem sobrevive somente da reciclagem.
— Muitos não têm água quente e tomam banho na minha casa — diz a docente.
De acordo com o criador do Valentes de Davi, José Eduardo da Silva Flores, 35 anos, vivem em torno de 160 famílias no local. Em torno de 90% não tem um banheiro com chuveiro para uso próprio.
Para oferecer acesso a um lavabo confortável e acolher os estudantes com mais qualidade, duas estruturas são erguidas na vila: uma creche com saguão mobiliado para atividades de reforço escolar e um refeitório.
— Tudo é feito por pessoas que retiramos das ruas. Muitos não sabem, mas tem eletricista e construtor bom vivendo nas esquinas — afirma Flores.
As obras, porém, estão paradas por falta de material. O refeitório não atingiu nem metade da construção. Piso, louças para os banheiros, telhas e forro de madeira estão entre os itens necessários. A ONG recebe doações de qualquer tipo, inclusive de alimentos.
— Vou conferir como está a despensa, mas não sei nem se tem para hoje — diz o criador da ONG, na manhã desta sexta-feira (16).
Ao todo, 16 localidades são atendidas pelo projeto, segundo o fundador. Os bairros atendidos na Capital são Vila Farrapos e Navegantes, na Zona Norte, Glória e Lageado, na Zona Sul, e também uma tribo indígena no Lami, também no sul do município. Há, ainda, um trabalho semelhante na Vila Araçá, em Canoas, na Região Metropolitana.
A estimativa é de que sejam distribuídas, mensalmente, 3,5 mil refeições a mais de mil famílias. Em reforço escolar ou complemento dos estudos, são em torno de 500 crianças.
Antes das 8h desta sexta, uma dezena de moradores chegava à cozinha comunitária do Beco do Buda, ao lado da igreja erguida pelos voluntários. Com o trabalho conjunto, não faltará mão de obra para finalizar os prédios. Na pracinha, uma quadra de vôlei de praia tem a base pronta, sem equipamentos.
Superação
A história do idealizador da associação foi contada no Diário Gaúcho em 2015. Com orgulho, ele não demonstra constrangimento com o passado, repetindo por inúmeras vezes a importância de um ato simples, o qual mudou seu destino: um abraço.
— Eu fui morador de rua por quase 10 anos. Um dia, um estanho me deu comida, um cobertor e um abraço. Abraço que nunca recebi de pai e mãe — relembra.
José Eduardo foi acolhido por um casal de religiosos. Dois meses após receber um teto, decidiu levar os ensinamentos cristãos adiante. Ele reitera que ninguém recebe doutrina em uma religião específica, tendo entre os integrantes espíritas e evangélicos, e entre os beneficiados, umbandistas.
— Para participar, basta ter amor — finaliza, à espera de ajuda.
Quem quiser contribuir pode entrar em contato pelo WhatsApp (51) 98418-2343 e (51) 99465-8713. O projeto também pode ser contatado pelo Facebook e Instagram.