A cinco dias da abertura dos envelopes das propostas de concessão da gestão do Mercado Público à iniciativa privada por 25 anos, a prefeitura de Porto Alegre foi surpreendida na noite de domingo (26) com uma cautelar do Tribunal de Contas do Estado suspendendo o processo.
Diante de uma representação do Ministério Público de Contas (MPC), o relator do caso, conselheiro Cezar Miola, entendeu que a Lei Orgânica do Município exige autorização da Câmara de Vereadores para se efetivar a concessão.
— Por um lado, é frustrante enfrentar esse entrave depois de dois anos de discussões. Por outro, o texto da cautelar nos tranquiliza porque salienta a transparência de todo o processo. O que não deixa de ser um elogio. Então, do ponto de vista técnico, a concessão é impecável. Resta contrapor o argumento da necessidade de aprovação na Câmara dos Vereadores — declara Thiago Ribeiro, secretário de Parcerias Estratégicas.
Do outro lado do embate, a medida agradou a Associação dos Permissionários do Mercado Público (Ascomepc).
– Foi uma decisão muito séria, profunda e correta. Se fosse bom, não haveria a necessidade desse processo ser feito de forma tão rápida, com tão pouco diálogo, a toque de caixa no meio de uma pandemia. As pessoas que analisaram esse edital o fizeram com muito respeito, antes de mais nada ao cidadão porto-alegrense – declara Adriana Kauer, presidente da Ascomepc.
Os próximos passos da prefeitura partem do entendimento de que é impossível a apreciação do projeto na Câmara em ano eleitoral. Seria ainda mais improvável a sua aprovação, tendo em vista o cenário desfavorável ao prefeito Nelson Marchezan no Legislativo.
A primeira atitude, portanto, será um pedido de reconsideração ao conselheiro Miola. A prefeitura argumentará demonstrando que, em casos análogos, não houve necessidade de lei municipal e tampouco questionamentos do TCE. Um exemplo é a concessão do Auditório Araújo Vianna por 10 anos, ocorrida no final do ano passado.
- É função do Poder Público prestar serviços públicos, e não administrar locais como o mercado. Os municípios não têm essa expertise. Para concessão de serviços, há necessidade de autorização por lei. Para concessões como o mercado, não há essa previsão. Nesses casos, se estabelece um contrato por um tempo e o município fiscaliza o cumprimento — declara Carlos Eduardo da Silveira, procurador-geral do município.
Caso o entendimento do conselheiro do TCE se mantenha, a prefeitura ainda aposta em um parecer diferente no pleno do tribunal, que arbitraria sobre o assunto. Se ainda assim o tribunal mantiver a decisão, a saída será a judicialização do processo. A prefeitura não descarta, mas evita considerar essa hipótese, pois ela atrasaria o processo para além do final da atual gestão.
Enquanto prepara o pedido de reconsideração, a prefeitura aguarda ansiosamente a chegada das propostas na próxima sexta-feira. Mesmo que os envelopes não possam ser abertos conforme decidiu o TCE, o entendimento no Paço Municipal é de que a existência de consórcios interessados em investir R$ 40 milhões nos próximos três anos sirva como demonstração do potencial de investimento na cidade em jogo e, assim, “pressionar positivamente” por decisões futuras mais favoráveis.
Do outro lado do embate sobre o Mercado, a cautelar do TCE animou os defensores do argumento de que a concessão, se ocorrer, descaracterizará o Mercado e que isso afetará o patrimônio cultural da cidade. O vereador Adeli Sell (PT), citado no documento, pretende agora anexar os argumentos de Miola à outra representação sua contra a concessão, junto ao Ministério Público Estadual:
— Não tinha dúvidas de que a concessão estava eivada de afrontas jurídicas, mas essa decisão do TCE iluminou caminhos para buscarmos argumentos também na Lei Orgânica do município – aponta o vereador.
Concessão em curso
Em gestação desde o ano passado, projeto de concessão à iniciativa privada foi pauta de diversas reuniões e motivo de polêmicas desde setembro do ano passado. Acompanhe (entre parênteses, as datas dos fatos):
Setembro de 2019
- Prefeitura realiza três reuniões com permissionários do Mercado Público (dias 19, 23 e 26) e uma com o Ministério Público de Contas (25)
Outubro de 2019
- Prefeitura realiza reuniões com o presidente (dia 1) e técnicos (3) do TCE, com os vereadores Mauro Pinheiro (4) e Adeli Sell (10), com o babalorixá Pai Paulinho (16), com a Ascomepc (21) e com associação em defesa das religiões de Matriz Africana (31).
- Concessão é tema de audiências públicas na Câmara (dia 8) e Assembleia (14).
- Secretaria de Parcerias Estratégicas realiza apresentação (roadshow) sobre o Mercado para potencias investidores (18)
Novembro de 2019
- Concessão é assunto de reuniões com advogado dos permissionários (5), MP (6) e TCE (17 e 20).
Dezembro de 2019
- Projeto é pauta de reunião com o TCE (17)
Fevereiro de 2020
Projeto da concessão é tema de apresentações à Associação Comercial de Porto Alegre (18) e à Ascomepc (21)
Março de 2020
Reuniões sobre contribuições da Ascomepc (6) e com o vereador Felipe Camozzato (6)
Junho de 2020
- Prefeitura lança edital de concessão pública à iniciativa privada por 25 anos (5). Propostas deverão ser apresentadas em 31 de julho
- Prefeitura realiza reunião com o TCE (22)
- Ministério Público de Contas recomenda a suspensão do processo de concessão por, entre outros argumentos, “necessidade de analisar aspectos decorrentes da pandemia” (19)
- Decreto para conter avanço da pandemia da covid-19 restringe operação do Mercado Público a vendas de comida por take away e telentregas, com controle de fluxo (23)
Julho de 2020
- Novo decreto de enfrentamento à covid-19 restringe acesso ao interior do Mercado Público gerando protesto dos permissionários (7), que alegam distinção de tratamento em relação a supermercados. A Justiça arbitra por manter o espaço fechado (13).
- Cautelar do TCE suspende processo de concessão e aponta necessidade de autorização por lei municipal (26)