Um dia depois de ter parte de sua casa destruída por uma retroescavadeira na quarta-feira (22), o amolador de facas Jonas Alves do Amarante, 64 anos, segue vivendo no local. O galpão de madeira construído no traçado da nova ponte do Guaíba, na Ilha Grande dos Marinheiros, exigiu um “recorte” na estrutura de concreto, que passou sobre o terreno como uma espécie de quebra-cabeça com uma peça desencaixada. Nesta quinta-feira (23), o idoso relembrou a tensão sentida durante todo o período de obras, quando conviveu com os tremores causados pelas máquinas pesadas.
— Ontem (quarta-feira), mais uma vez, achei que a casinha ia cair. Em pouco tempo o meu galpão foi destruído, e tudo que a gente gastou em madeira foi para o lixo, está lá amontoado — relata, apontando para as tábuas descartadas ao lado da rua.
A residência de quarto e sala segue em pé, assim como o banheiro externo, erguido entre a casa e o galpão demolido na tarde passada. A casa ainda existente fica a cerca de 10 metros da ponte. No barro acumulado no chão, ficaram as marcas dos largos pneus das máquinas usadas para derrubar a peça. Caídos no terreno, pertences como xícaras, garrafas e alguns móveis que eram guardados junto a materiais de reciclagem. O cavalo João de Barro, que também habitava o galpão, teve de ser solto.
— Levei ele mais para perto da casa de um amigo, que vai ficar de olho. Aqui, ia ficar exposto ao tempo. Ultimamente, ele era mais meu companheiro, porque não tenho força pra montar — explica Amarante.
Na tarde desta quinta, o morador voltará a Justiça Federal, onde reivindica, pela terceira vez, uma compensação financeira para deixar o local. O Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) nega indenização, afirmando ter pago o valor para a antiga proprietária, sobrinha do atual morador. A Justiça o considera um invasor.
Amarante diz haver um engano: a parente teria recebido o pagamento pela desapropriação de outra casa, onde ela passou a viver após transferir o imóvel no qual há o impasse. A ida ao prédio federal será acompanhada pelo padre Rudimar Dal' Asta, pároco da Igreja Nossa Senhora da Boa Viagem, localizada na Ilha da Pintada.
— Temos provas de todos os moradores da ilha de que ele já morava na casa. Eu mesmo o conheci em 2015, e já vivia ali. Não podem deixar o homem sem um lugar para viver — defende o religioso.
A aquisição do imóvel custou R$ 10 mil, em prestações de R$ 500, valor já quitado, alega Amarante. O afiador de facas está sem qualquer rendimento desde o início da pandemia de coronavírus. O seu ofício é rejeitado nas ruas, por medo de possíveis contaminações, segundo relatou. Daqui a três meses, no dia 22 de outubro, ele completará 65 anos, e espera se aposentar.
Apesar de contar emocionado histórias da época em que o bairro Arquipélago “era apenas um banhado”, e que ali foi criado ao lado de 15 irmãos, sem energia elétrica ou água encanada, ele afirma aceita mudar de região. E chora ao dizer que não sabe se terá onde dormir na próxima noite.
— Tem gente que se instalou aqui e não morava. Dias depois ganharam um valor alto. Eu já passei até fome. Não é mole, sabe? — desabafa, escondendo o rosto em sinal de vergonha pelas lágrimas.