A casa de Jonas Alves do Amarante, 64 anos, tem duas opções de acesso: pelo meio do lixo acumulado na última enchente que atingiu a Ilha Grande dos Marinheiros ou desviando dos pilares da nova ponte do Guaíba. Única construção ainda em pé no traçado da passagem que liga o continente à BR-290, o idoso não abandonou a residência por falta de um acordo com os órgãos que realizam a obra – pela Justiça, ele é considerado um invasor, sem direito à indenização, como relatado pelo colunista Jocimar Farina.
— Se pagarem o suficiente pra comprar uma casinha eu saio na mesma hora. Se não, onde vou morar? — questiona.
Dividida em duas peças, com quarto e cozinha, a meia-água foi adquirida de uma sobrinha, há 10 anos, segundo o atual morador. A documentação da compra estaria com uma das filhas, que tenta mudar o entendimento dos juízes sobre a posse do imóvel.
Com buracos aparentes nas tábuas de madeira e furos no telhado sem forro, a casa resguarda poucos móveis: um fogão com um botijão de gás de pequeno porte – estilo liquinho –, uma geladeira estreita, pia e mesa com uma única cadeira. Um aparelho de TV e outro de rádio em frente a cama complementam o lar do homem que obrigou as equipes da construtora Queiroz Galvão a adaptar o projeto da ponte, incompleta no terreno de cercas caídas.
Em frente a porta, um galpão de madeira protege garrafas plásticas e outros materiais que serão revendidos para reciclagem, além do único animal que sobreviveu à força das águas, o cavalo João de Barro. Duas éguas morreram na enchente, relembra. É sobre essa construção, também de madeira, que as estacas de concreto da ponte foram fincadas. Quando a porteira é aberta, a estrutura com ferros expostos fica a poucos metros do pavilhão onde o idoso vive.
— Aqui treme tudo. Eu achei que a casinha não ia resistir. Eles chegaram a tentar desmanchar, mas eu disse não, que só depois que eu recebesse. E eu segui, vi toda a obra. Cada vez que as máquinas começam, é uma batida atrás da outra — detalha.
No pátio, moirões de madeira usados nos trabalhos para a passagem estão tombados. Uma corda de isolamento restringe a chegada até o imóvel, controlada por dois funcionários da empreiteira.
Amolador de facas, o profissional fazia o trajeto da Capital a Canoas de bicicleta. Porém, as dores agudas nas pernas se aliaram à chegada da pandemia, e ele abandonou o trabalho. Sem estudos — diz não ter completado nem o primeiro ano do primário —, ele não aprendeu a ler ou escrever, o que seria usado contra ele no processo, opina o vizinho, Lucas da Graça Mattos, 27 anos.
— Eles não podem tirar ele daí. Se aproveitam que ele é analfabeto — afirma.
Reciclador, Mattos vive com a esposa e três filhos em uma construção do lado oposto da ponte, e também luta na Justiça para receber o dinheiro a que crê ter direito. O argumento contra ele é o mesmo: uma indenização já foi paga a um antigo proprietário.
A mãe de seu Jonas, de 86 anos, ganhou do governo indenização pela desocupação de sua casa e vive fora do bairro Arquipélago, afirmou o homem. Enquanto vive o impasse entre sair ou continuar no local, o autônomo se diz tenso.
— Isso me ataca os nervos. Olha, eu passo trabalho aqui. Só quero um local pra viver — afirma.
Segundo o Departamento Nacional de Infraestrutura e Transportes (Dnit), resta executar a determinação judicial para retirar o morador e derrubar a construção.