As restrições em razão da pandemia do coronavírus são o novo elemento a colocar em pé de guerra os permissionários do Mercado Público e a prefeitura de Porto Alegre.
Como pano de fundo das desavenças, está a concessão do espaço à iniciativa privada. Planejada desde o início do governo Nelson Marchezan, o edital está em curso desde 5 de junho, com as primeiras propostas a serem recebidas a partir de 31 de julho.
De um lado, os permissionários acusam a prefeitura de sabotá-los e endividá-los às vésperas da concessão usando a pandemia como instrumento, dificultando a permanência no espaço quando novos contratos tiverem de ser firmados. Já a prefeitura, alega o inverso: seriam os permissionários que estariam usando a pandemia para sabotar o processo de concessão e, assim, manter privilégios históricos no uso do espaço.
Em diferentes manifestações públicas, a Associação de Comércio do Mercado Público Central (Ascomepc) pede que o Mercado Público seja tratado como os supermercados, minimercados e outros comércios de alimentos da cidade, que não tiveram as atividades suspensas. Conforme decreto, desde o dia 7 de julho o Mercado Público teve proibida a circulação dentro das suas dependências. As bancas que oferecem serviços essenciais podem funcionar, mas apenas em telentrega ou com pedidos feitos do lado de fora das portas e janelas do Mercado.
– A prefeitura argumenta que os supermercados são autosserviços, onde só há contato humano no caixa. Pergunto: e as mercadorias vão parar sozinha nas prateleiras? E as padarias e as fiambrerias dos mercados estão fechadas? Esse argumento não para em pé – declara Adriana Kauer, presidente da Ascomepc.
Questionada, a prefeitura menciona uma decisão do Tribunal de Justiça de 14 de julho sobre o tema. Para indeferir uma liminar que pedida a suspensão do decreto municipal no que se referia ao Mercado Público, a Justiça alegou, além da questão do autosserviço e da disposição física das bancas, o alto fluxo de circulação e a ocorrência de dois surtos de covid-19 no espaço entre junho e julho, que teriam resultado em 22 casos da doença.
Aluguéis se acumulam
Além das restrições de funcionamento, a Ascomepc reclama de falta de sensibilidade e de segurança jurídica na cobrança dos aluguéis durante a pandemia. De acordo com a associação, os mercadeiros se basearam em um documento interno da prefeitura chamado Guia da Desburocratização da Prefeitura de Porto Alegre, de abril, para solicitar a suspensão por 90 dias do pagamento das mensalidades por atividades econômicas em espaços do município.
A prefeitura argumenta que os supermercados são autosserviços, onde só há contato humano no caixa. Pergunto: e as mercadorias vão parar sozinha nas prateleiras?
ADRIANA KAUER
presidente da Ascomepc
Porém, questionada pelos permissionários, a Procuradoria-Geral do Município (PGM) interpretou que a suspensão valeria apenas para estabelecimentos proibidos de operar. Os demais, que puderam manter operações de telentrega ou pegue e leve teriam de pagar o valor integral. O entendimento, que veio apenas em julho, teria surpreendido boa parte dos mercadeiros, que já contavam com a suspensão dos valores.
Questionada por GaúchaZH se o entendimento será mantido com a restrição à circulação interna do espaço, a PGM declara que “analisará novamente a matéria, a fim de adequar o entendimento anterior às novas restrições”.
– Enquanto isso, todos os boletos estão chegando normalmente. E com juros e multa desde março em caso de não pagamento – declara Adriana.
Segundo a Ascomepc, das 99 bancas do Mercado, 33 estão fechadas e 66 estão atuando em telentrega e pegue e leve. O faturamento, que vinha na casa dos 40% em razão da pandemia, estaria entre 10% e 25% após o impedimento de circulação interna.
Concessão no horizonte
De acordo com o secretário de Parcerias Estratégicas, Thiago Ribeiro, à frente do processo de concessão, os permissionários tiveram seus interesses contemplados no edital com a possibilidade de manter os valores de aluguel no Mercado Público por quatro anos pelo valor atual. Porém, no seu entendimento, a pandemia vem sendo usada para misturar restrições sanitárias com débitos anteriores:
O espaço me parece privatizado da maneira como funciona hoje: restrito a pessoas que fazem o que querem. Algumas vezes sem pagar aluguéis por meses e meses e nada acontecer
THIAGO RIBEIRO
secretário de Parcerias Estratégicas
– Há permissionários descontentes porque, para firmar esse contrato de 48 meses, eles terão de ao menos renegociar dívidas anteriores que nada tem a ver com a pandemia. Falam injustamente em privatização do Mercado, mas o espaço me parece privatizado da maneira como funciona hoje: restrito a pessoas que fazem o que querem. Algumas vezes sem pagar aluguéis por meses e meses e nada acontecer .
Na sexta-feira passada (17), uma visita de potenciais investidores ao espaço enfureceu os mercadeiros, que encararam o ato com uma falta de respeito a quem trabalhava em meio às restrições da pandemia. A Secretaria de Parcerias Estratégicas admitiu o equívoco. Nesta sexta-feira (24), a visita se repetiu, mas dessa vez com a devida autorização da prefeitura.