Prestes a completar 38 anos neste sábado (9), um dos estabelecimentos mais queridos pelos porto-alegrenses foi atingido em cheio pela pandemia de coronavírus. De portas fechadas desde o dia 20 de março, a Lancheria do Parque demitiu todos os funcionários no começo de abril. Diante das indefinições causadas pelo cenário atual, os oito sócios ainda não sabem quando irão reabrir.
— Amanhã seria aniversário dela. É primeira vez que nós fechamos por tanto tempo — lamentou Neomar Turatti, um dos sócios.
A opção por manter o local fechado tem a ver com a segurança de funcionários e frequentadores — e também com o perfil de atendimento de um dos principais pontos de encontro do entorno da Redenção. Em razão do alto fluxo de pessoas, os sócios consideram arriscado projetar um retorno enquanto o vírus estiver circulando na Capital.
— A lancheria sempre teve muito entra e sai de pessoas. Tem o HPS, o Clínicas, tudo ao redor. Não temos como abrir sem uma luz no fim do túnel. Só vamos retomar depois que tudo voltar ao normal — disse o empresário, que acredita em um cenário mais favorável quando o inverno acabar.
Como nunca trabalharam com telentrega, aderir à modalidade sequer foi cogitado pelos sócios, que também não pensam em atender no modelo “take away”, de retirada no balcão, como ocorre em outros estabelecimentos. Os 20 funcionários que tinham carteira assinada foram demitidos para que pudessem resgatar o fundo de garantia e receber o seguro-desemprego pelo tempo em que a “Lanchera”, como é carinhosamente chamada pelos frequentadores, estiver fechada.
Patrimônio afetivo
Fundada em maio de 1982 por Ivo Salton e Neuro Turatti, a Lancheria do Parque é um verdadeiro patrimônio afetivo de Porto Alegre. Sem ar-condicionado, sem sinal de celular e com um dos poucos bufês de comida caseira servido das 10h às 18h, oferece café da manhã, almoço e janta, além dos famosos sucos e da cerveja antes da noitada. Os garçons dispensam blocos: os pedidos são feitos no grito — e chegam à mesa rapidamente.
O estabelecimento é um dos poucos que restaram da Osvaldo Aranha de outras décadas. Foram-se expoentes da vida cultural, como o Bar do João, o Escaler e o cinema Baltimore. Os punks, músicos e estudantes que ocupavam a rua hoje têm filhos ou até netos, mas o toldo vermelho no número 1.086 seguiu firme, atraindo tanto os antigos frequentadores da Osvaldo quanto os recém-chegados à Capital.
Ano após ano, a “Lanchera” resistiu às mudanças no bairro Bom Fim e à gourmetização que se espalhou pela cidade. Xis, pastel e torrada ainda são as estrelas do cardápio.
As poucas ocasiões em que a sinfonia das chapas de bife, dos pedidos aos gritos e do roncar dos liquidificadores cheios de fruta foram interrompidas deram-se em finais de Copa do Mundo, no Natal e no dia em que foi exibido um curta-metragem sobre o local, em 2012.