Embora tenha como justificativa a queda de passageiros durante a pandemia do coronavírus, o impasse em torno da suspensão de 12 linhas de ônibus operadas por empresas concessionárias tem como pano de fundo a pressão pelo pagamento de uma dívida da empresa pública Carris com as empresas da Associação dos Transportadores de Passageiros de Porto Alegre (ATP).
A suspensão deveria valer a partir desta segunda-feira (25), mas após uma reunião com a prefeitura no sábado (23), a ATP recuou com a justificativa de que os passageiros terão de ser melhor informados sobre a eventual mudança.
De acordo com o gerente de transporte da ATP, Antônio Augusto Lovato, o cálculo de quantas linhas deveriam ser suspensas e por quanto tempo foi elaborada para chamar a atenção para o não pagamento de R$ 4,2 milhões que a Carris deve às empresas. O valor seria referente à "câmara de compensação": um mecanismo criado para que a Carris opere linhas mais curtas — consequentemente, de menor custo — mas que em compensação ressarça as empresas que operam linhas de trajetos mais longos.
Segundo a ATP, o custo mensal das 12 linhas é de aproximadamente R$ 2 milhões. Deixando de gastar esse valor pelos próximos dois meses, a dívida seria compensada. O período pelo qual deixariam temporariamente de operar tem como base a vigência da Medida Provisória 936, que permitiu às empresas de ônibus reduzir jornadas e suspender temporariamente contratos de trabalho.
— Não estamos fazendo isso por vontade. Estamos fazendo isso porque temos folhas de pagamento de funcionários pela frente que não teremos como honrá-las com 65% a menos de passageiros. Isso sem falar nos R$ 40 milhões de prejuízo desde o início da pandemia, que, no nosso entendimento, também teria de ser ressarcido — declara Lovato.
De acordo com o secretário de Mobilidade Urbana, Rodrigo Tortoriello, a dívida da Carris não pode fazer parte de uma negociação sobre os efeitos da pandemia.
— Embora a Carris seja pública, é uma dívida da empresa, não do Executivo. As coisas não podem ser negociadas assim: fica isso por aquilo. Ainda mais envolvendo dinheiro público. Desde o início da pandemia, a gente vem negociando fusões de linha e outras modificações. Mas essa alternativa, que envolveria deixar 15 mil pessoas sem transporte público, nós não temos como aceitar — declara o secretário.
Enquanto a prefeitura sinaliza acionar as empresas judicialmente por quebra de contrato se a suspensão das linhas se confirmar, a ATP enxerga desde já um descumprimento por parte do Executivo, tendo em vista que os últimos decretos da prefeitura não permitem que os ônibus transportem até 80 passageiros por veículo. Em razão do distanciamento social, a capacidade de passageiros foi reduzida ao número de assentos de cada veículo.
A ATP sugere ainda que Carris assuma temporariamente as linhas que julgar essenciais. A hipótese, a princípio, é rejeitada pela prefeitura.
— Isso pode ser negociado? Quem sabe pode, mas precisa ser negociado entre todos os atores envolvidos. Como isso seria visto se a Carris não fosse uma empresa pública? E, justamente por ser de economia mista, ela não pode fazer uso da MP 936, logo vai arcar com problemas financeiros ainda maiores na pandemia — declara Tortoriello.
Em redes sociais, no sábado, o prefeito Nelson Marchezan declarou que a prefeitura estudava alternativas para a execução do serviço, incluindo o auxílio do Exército. De acordo com Tortoriello, desde o início da pandemia houve uma sinalização positiva das Forças Armadas caso haja a necessidade de apoio logístico para a execução de serviços públicos, mas que isso ainda não foi planejado em detalhes. Prefeitura e ATP sinalizam que uma solução consensual deverá ser alinhada nos próximos dias.
Confira a íntegra do debate com Rodrigo Tortoriello e Antônio Augusto Lovatto:
As possíveis linhas afetadas:
- 361 Cefer
- 255 Caldre Fião
- 718 Ilha da Pintada
- 705 2 Aeroporto/Ceasa
- B09 Aeroporto/Indústrias/Iguatemi
- 654 Educandário Petrópolis
- 473 Jardim Carvalho/Jardim do Salso
- 525 Rio Branco/Anita/Iguatemi
- 282 Cruzeiro do Sul
- 282 1 Pereira Passos
- 289 Rincão/Via Oscar Pereira
- 2843 B.Velho (S.Francisco)/Rincão/Betão até Azenha