Mesmo com os decretos municipal e estadual, que preveem medidas como o uso obrigatório de máscaras e o distanciamento mínimo entre pessoas, moradores do extremo sul de Porto Alegre seguem circulando normalmente por ruas e comércios. Nesta quinta-feira (14), GaúchaZH circulou por bairros como Ponta Grossa, Belém Novo e Hípica — cuja rotina é diferente de pontos movimentados da cidade — ouvindo moradores e comerciantes.
Gerente de uma farmácia no bairro Ponta Grossa, Carla Dutra conta que o movimento de pessoas nas ruas é praticamente o mesmo apesar das regras de distanciamento social impostas. Ela relatou que somente nos últimos dias, com a obrigatoriedade do uso de máscara em áreas públicas e pontos de aglomeração, o item passou a se tornar mais popular. No entanto, muita gente veste a proteção apenas nas hora de entrar em farmácias e mercados.
No período em que esteve no bairro, GZH observou esse comportamento pelo menos quatro vezes. Na Estrada Retiro da Ponta Grossa, por exemplo, muitas pessoas saíam protegidas com máscaras dos supermercados, mas logo retiravam o equipamento e o guardavam no bolso.
— Parece que as pessoas levam na brincadeira. Antes do decreto, de cem clientes que entravam aqui, 70 não usavam máscaras — conta Carla.
Moradores contam que muitas pessoas acabam tirando a máscara ao encontrarem algum conhecido na rua, para conversar. Grande parte das pessoas observadas pela reportagem sem a proteção eram idosos, que fazem parte do grupo de risco e são mais vulnerável a doença.
O cenário é bem parecido em Belém Novo. Jonatan Lunardi, dono de uma ótica, disse que os moradores não seguem a orientação do governo de ficar em casa. Para tentar evitar a propagação da doença, ele a limitou a entrada de clientes na loja: apenas duas pessoas por vez, que precisam estar protegidas por máscaras.
— Acho que o pessoal não acredita (na doença), ou acha que não vai acontecer com eles, porque o movimento na rua não diminuiu em nenhum momento. Desde que começou (a pandemia), é vida normal aqui. Na nossa loja mesmo já teve gente fazendo escândalo na porta porque queria entrar sem a máscara. Isso que são clientes antigos, não são pessoas desconhecidas — conta.
Paulo Silva, que trabalha como porteiro no bairro Hípica, relata que, nos últimos dias, aumentou o número de pessoas com máscaras, e o movimento nas ruas continua intenso:
— Nos finais de semana, vejo famílias saindo de casa como se nada estivesse acontecendo. As famílias saem em grupos, pai, mãe e filhos, para irem ao supermercado.
Especialistas orientam que apenas um morador de cada residência fique responsável por realizar as compras.
Segundo o secretário extraordinário de Enfrentamento do Coronavírus de Porto Alegre, Bruno Miragem, existe uma falsa sensação de menor risco de contágio entre os moradores desses bairros, que são menos populosos. No entanto, com muitas pessoas na rua, próximas umas das outras e sem os cuidados de distanciamento e de higiene necessários, o risco de contágio torna-se igual a qualquer outra região.
Em relação ao descumprimento das regras nestas áreas, Miragem disse que o município ampliou suas operações de fiscalização, com auxílio da Guarda Municipal, para alcançar as regiões mais afastadas do Centro e orientar a população.
Conforme o professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e doutor em Epidemiologia, Paulo Petry, a infecção de pessoas nas periferias é um dos maiores receios de profissionais da área. Mesmo que, no começo, a doença tenha atingido pessoas de classes sociais mais altas — que haviam viajado para fora do país — os maiores prejudicados são os grupos do outro lado da balança:
— Nesses locais menos favorecidos, a aglomeração é maior, porque as casas normalmente abrigam mais pessoas em menos cômodos, há também a questão do saneamento básico, de locais que não contam com água tratada, por exemplo. São fatores que resultam em uma exposição maior. Mesmo esses itens que utilizamos, como máscaras e álcool gel, têm custo.
— É uma questão que passa pela desigualdade social. Quando a gente diz que estamos todos no mesmo barco, sabemos que isso não é verdade. Nós estamos sob a mesma tormenta — complementa.
Para o professor, uma das soluções para o problema é o investimento na área da saúde pública:
— Lamentavelmente, a custa de muitas vidas, agora estamos nos deparando com a falta de investimentos, tanto no SUS, quanto na valorização dos profissionais da saúde, na preparação dessa rede como um todo. Vemos, agora, o quão errado foi essa falta de investimento, e o quanto faz falta.
O decreto do governo do Estado, que passou a valer na última segunda (11), estabelece o distanciamento controlado em todo território do RS na tentativa de evitar a propagação da doença e a retomada da atividade econômica.
O modelo estabelece medidas obrigatórias para serem adotadas em todo o território gaúcho, entre elas o uso de máscara "sempre que se estiver em recinto coletivo, compreendido como local destinado a permanente utilização simultânea por várias pessoas, fechado ou aberto, privado ou público, bem como nas suas áreas de circulação, nas vias públicas e nos meios de transporte", diz o documento. A prefeitura de Porto Alegre já havia determinado o uso obrigatório da proteção.