Frequentemente divulgada, a redução gradual no número de passageiros do transporte coletivo urbano aparece como um fator preponderante na pesquisa desenvolvida pelo TCE-RS. Essa diminuição reflete em outros aspectos do levantamento, como o valor da tarifa.
Municípios da Região Metropolitana tiveram quedas substanciais no número de passageiros no período entre 2015 e 2019. Para se ter uma ideia, Viamão perdeu, em cinco anos, 46% dos seus usuários (o que representa mais de 229 mil passageiros a menos). Já em Gravataí, a perda foi de 36,8% (mais de 214 mil passageiros).
As duas cidades, por consequência, são – entre as com mais de 100 mil habitantes – as que apresentam as maiores tarifas. Para circular dentro de Gravataí e de Viamão, o usuário desembolsa R$ 4,80, R$ 0,10 a mais do que os moradores da Capital, que pagam R$ 4,70.
– Este valor de Gravataí e Viamão está relacionado à perda de passageiros. Como eles tiveram o maior nível de queda, é mais difícil represar o preço da passagem. Por isso, incentivamos muito as novas licitações, pois elas trazem novo ambiente para melhorar a qualidade do sistema – destaca o auditor Airton Rehbein.
O órgão, segundo o procurador, acompanha a questão do cumprimento dos contratos:
– Em Esteio, por exemplo, eles fizeram uma licitação e colocaram que era necessário a frota ter ar-condicionado. É o único município que tem 100% dos ônibus equipados (com o item). Estamos auditando todos os contratos do transporte coletivo do Estado, vamos concluir ainda nesse ano, e cobraremos o cumprimento dos contratos.
Na Região Metropolitana, Guaíba, São Leopoldo, Alvorada e Canoas registraram quedas de 33,2%, 26,95%, 21,59% e 3,41%, respectivamente. A perda de passageiros na Capital ficou em 17,77%. Em número de usuários, a perda nas oito cidades citadas até agora chega a 4,1 milhões.
Fatores que levaram às perdas
Para a professora da Unisinos e mestre em Engenharia de Transportes Nivea Oppermann, o ônibus vem sendo preterido pelo cidadão por uma série de fatores: crise, crescimento do transporte por aplicativo, incentivo dado para comprar veículos e aumento das gratuidades.
– Com a crise, o desemprego faz com que as pessoas se desloquem menos. Depois, vêm os aplicativos, que competem com o transporte público – diz ela, que segue:
– Além disso, a gratuidade é outro fator importante, pois elas estão sendo pagas pelos trabalhadores. O que se precisaria fazer é construir bons planos de mobilidade e entender que eles não são apenas leis (a serem cumpridas), é preciso ter estratégias.
Conforme levantado pelo TCE, na Capital, a porcentagem de usuários que possuem gratuidade é de 30,7%. Em Cachoeirinha, Canoas e Guaíba, as gratuidades alcançaram, em 2019, os índices de 26%, 28% e 38,1%, respectivamente.
Idade média dos veículos só diminuiu em Guaíba
Entre os 23 municípios do Estado onde foi possível analisar a idade dos ônibus, segundo o TCE, 61% apresentaram um envelhecimento de suas frotas, ao passo que 9% mantiveram as idades médias e 30% apresentaram redução.
Na Região Metropolitana, a frota envelheceu em 88% dos municípios analisados. Guaíba apresenta a menor idade média, com 3,5 anos, e conseguiu reduzir em 9,9 anos a idade dos veículos de 2015 para agora. Tudo isto porque, após uma licitação, novos ônibus passaram a circular na cidade em dezembro de 2015. Na época, a prefeitura anunciou que era a primeira vez que uma licitação do sistema de transporte coletivo ocorria em 89 anos no município.
Em contrapartida, Viamão e Alvorada disponibilizam hoje os ônibus com maior idade média, de 8,5 anos. Uma realidade que a população conhece bem. Em Viamão, moradores ainda destacam a falta de cumprimento da tabela e as poucas opções de viagens.
– É uma vergonha, pois não se cumpre horário. Eu sempre pego o São Tomé (linha) e faz uma hora que estou aqui e nada. Os ônibus são precários e ainda estão tirando os cobradores – opinou, na quarta-feira, a aposentada Mariza da Silva, 68 anos, do bairro Planalto.
A pedagoga Caroline August, 26 anos, do Santa Cecília, acredita que a disponibilização de GPS e de um aplicativo para acompanhar as linhas são fundamentais para a cidade:
– O transporte é ruim, sem conforto e com poucos horários. O único jeito para saber o horário em que passa, é olhar na tabela do site, vir para a parada e esperar que se cumpra.
Acessibilidade e GPS: fatores que avançaram
A lei federal nº 10.098, de 19 de dezembro de 2000, estabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade. Em 2004, o Decreto Federal nº 5.296, que regulamentou a lei, determinou que, em 2014, todos os ônibus deveriam ser acessíveis. Apesar disso, em 2015, muitos municípios acompanhados pelo TCE não atendiam a legislação.
Em 2019, porém, houve avanços em cidades da Região Metropolitana. Atualmente, Alvorada, Cachoeirinha, Esteio, Gravataí, Guaíba e São Leopoldo dizem ter 100% da frota com acessibilidade (confira a tabela completa ao lado). Além disso, Alvorada, Canoas, Esteio, Gravataí, Guaíba e Porto Alegre afirmam ter 100% da frota equipada com GPS.
– Os municípios e os operadores do sistema estão se dando conta, com a vinda do transporte por aplicativo, que eles precisam elevar o nível de precisão na prestação do serviço. A pessoa está dentro de casa, à noite. Se ela vai para parada, precisa saber que faltam dois, três minutos para chegar o ônibus – analisa o auditor do TCE.
Investimentos necessários
Enquanto os usuários avaliam os problemas encontrados, as empresas usam a diminuição de passageiros para justificar as dificuldades de investimento.
A professora da Unisinos Nivea Oppermann acredita que o transporte coletivo pode ser um ótimo negócio, desde que tenha regras e licitações claras, onde as empresas sejam remuneradas por produtividade. Assim como ela avalia ser essencial que os órgãos públicos tenham mecanismos de controle e fiscalização eficientes.
– A própria questão da cobrança da tarifa é sempre uma caixa preta, não se sabe direito se os empresários estão ganhando um preço justo ou não. A demanda diminui, as empresas dizem que o custo da tarifa não está cobrindo as despesas, aí surgem discussões como a retirada do cobrador, por exemplo. Mas as empresas tomam medidas que não são adequadas, como a não renovação da frota. Com isso, a frota está ficando velha, quebrando mais, (ficando) sem condições para prestar um bom serviço – destaca ela.
Nivea ainda alerta para o pouco investimento aplicado no transporte público nos últimos 30 anos.
– Muito pouco foi feito em investimentos em Porto Alegre e Região Metropolitana. Hoje, o transporte coletivo é caro, é demorado e as pessoas procuram outras opções mais convenientes. Só que a gente tem que pensar na população de menor poder aquisitivo que precisa dele – diz ela, que acrescenta:
– Para melhorar o transporte coletivo ainda tem que se dar informação, tem que saber qual linha passa, quanto tempo vai levar. A tarifa integrada também é importante porque estimula o usuário. O conforto também precisa ser pensado.