Todas as quartas-feiras à tarde o salão lota. Dezenas de homens e mulheres vão até a escola de dança Ciranda dos Ritmos, no bairro Floresta, em Porto Alegre, para praticar tango com o argentino Daniel Osvaldo Carlos, 56 anos, que ensina o clássico voluntariamente há 14 anos.
Ao som de trilhas instrumentais, passos como gancho e sacada são ensinados pacientemente aos membros do 8 Adelante — o grupo leva o nome de uma manobra, que representa o movimento de giro com marcação masculina, para possibilitar o avanço da parceira.
— O problema é que elas estão se avançando demais — brinca Daniel, antes de exaltar a importância do contato durante a dança.
— O tango se constrói pelo abraço confortável e pela bonita caminhada. Se fizer os dois, estará dançando lindamente — explica.
Natural de Buenos Aires, Daniel se mudou para o Brasil em 1996, em virtude da crise econômica que assolava o país vizinho. Os negócios por lá não iam bem: o bar dançante do qual era sócio faliu. Foi aí que ele e a então esposa decidiram se mudar para o Brasil com o filho, Leonardo Luis, que hoje também é bailarino e estuda Engenharia da Computação.
A paixão de Daniel pelo tango foi influenciada por sua mãe, Sara, que costumava cantarolar clássicos argentinos pela casa. Aos 21 anos, ele passou a frequentar aulas gratuitas em Buenos Aires, e o tango virou rotina. Após cursos de aperfeiçoamento, o aluno virou professor, e o dom que veio de berço foi se tornando profissão. Hoje, além de coordenar o 8 Adelante, ele dá aulas particulares no Centro Histórico.
— É meu ganha-pão, preciso disso economicamente. Já o trabalho voluntário é uma realização espiritual. E uma forma de retribuir o carinho dos brasileiros, que me receberam tão bem — explica.
Para a aposentada Silvia Vasconcellos de Oliveira, 62 anos, que participa do grupo há dois anos, Daniel é exemplo de didática e paciência:
— Ele se dedica ao tango gratuitamente, por paixão, e passa essa paixão para a gente.
A didática mencionada pela aluna pode ser facilmente percebida. O professor usa do bom-humor para ensinar um passo complexo aos compenetrados alunos:
— Esquerda e direita, como na política!
Perguntado sobre o atual cenário político na Argentina, Daniel faz uma comparação com a dança:
— No começo sempre há esperança, depois desengano. No tango também é assim. Você aprende a dançar na esperança de conquistar uma mulher. Depois, vem o desengano de perdê-la para todos que dançam melhor que você.