— Já liguei para minha família e avisei que vou fazer a vida aqui, não vou voltar.
É sorrindo que o ex-sargento da Polícia Nacional da Venezuela Victor Javier Hernández Gómez celebra a decisão de deixar o país natal e tentar a vida do outro lado da fronteira. O ex-policial deixou o país às pressas, sem avisar ou se demitir. Pediu férias do trabalho e partiu para uma viagem de quase 36 horas com a esposa e os dois filhos para sair de Barquisimento, perto da fronteira com a Colômbia, e chegar em Pacaraima (RR). O ex-policial de 45 anos, pai de Javier, 13 anos, e Alisson, 7, decidiu que era hora de partir por discordar de ordens de seus superiores e pelas dificuldades provocadas pela crise econômica que assola a Venezuela.
Depois de cruzar a fronteira, Gómez e família passaram uma semana na rua e três meses em abrigos em Pacaraima e em Boa Vista, capital de Roraima. Há pouco mais de um ano, eles estavam no primeiro grupo de refugiados venezuelanos que chegaram para viver em Porto Alegre. O grupo, formado por mais de 20 famílias, foi acolhido pela ONG Aldeias Infantis SOS, que antes abrigava apenas crianças em situação de vulnerabilidade e decidiu abrir espaço para receber os imigrantes. Neste sábado (28), a entidade organizou uma confraternização com imigrantes e voluntários para celebrar a data.
Para receber os imigrantes, a entidade firmou parceria com o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur), em um convênio que duraria quatro meses e está próximo de ser renovado até a metade de 2020. Além da estadia, a ONG oferece aulas de português e cursos de qualificação profissional. Quase todos os integrantes da primeira turma – entre eles, Victor é família – já abriram espaço para novos refugiados. Ao todo, 185 pessoas já passaram pelas instalações da instituição.
Há sete meses, quem chegou foi Nayesky Blanco, 32 anos. Mãe de três filhas, ela sonha em montar uma creche comunitária para cuidar de crianças. Quando questionada sobre os motivos que a fizeram deixar seu país, a mulher de fala rápida que carregava uma bandeira da Venezuela não titubeia:
— Era nossa escapatória. Não conhecia o Brasil, mas disseram que estavam ajudando muitos os venezuelanos. Então não tive dúvida.
Ex-moradora de Barcelona, que ficou quase dois meses na rua antes de ir para uma brigo em Pacaraima, Nayesky admite sentir saudades, mas não quer voltar:
— Eu gosto de tudo ao Brasil. Ao futuro quem sabe vá visitar, mas quero radicar-me aqui.
Diversidade
Além da bandeira de Nayesky, haviam blusas e bonés com as cores e símbolos da Venezuela no evento. O cardápio, produzido pelos próprios imigrantes, teve as comidas típicas do país, como arepas e pabellón criollo. Além de bolos transbordando merengue.
Sem esconder o orgulho, o coordenador da Aldeias Infantis, Enéas Palmeira, frisou que, além do orgulho pelo trabalho, o evento que recebeu mais de cem participantes celebrou a integração da cultura venezuelana com a brasileira.
— Vivemos momentos muito complicados para aceitação da diversidade. Aqui, tivemos um grande sucesso. É isso que estamos celebrando.