Depois de sair para curtir a noite e beber, voltar para casa dirigindo não é uma opção a ser cogitada. Entretanto, ir até uma parada de ônibus e esperar por um coletivo também não parece agradar. Ao menos é o que indica a situação da linha C4 (Balada Segura), de Porto Alegre, criada pela Carris em dezembro de 2011.
Com o avanço dos aplicativos de transporte, aliado a questões como insegurança e preço da passagem, quase não há quem volte da boemia de busão. O C4 acabou tornando-se uma linha que transporta trabalhadores da noite e estudantes, em sua maioria. Em 2018, uma média de seis passageiros embarcaram por viagem, segundo a Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC).
E com essa queda de público, a Carris protocolou junto à EPTC um pedido para desativar a linha. A requisição foi aprovada pelo Conselho Municipal de Transportes Urbanos (Comtu). O C4 deve deixar operar nas próximas semanas, ainda em setembro, conforme o órgão.
Com a baixa demanda de usuários, há cerca de dois anos a Carris já havia alterado o número de vezes que o C4 faz seu trajeto. Quando criado, o ônibus iniciava as operações às 22h e seguia rodando até 4h30min, com coletivos passando a cada 20 minutos. Hoje, o horário de atendimento é o mesmo, mas as viagens ocorrem de meia em meia hora até 23h30min. Depois, o ônibus passa de hora em hora.
Entre os passageiros que usam a linha, o sentimento de que algo estava errado surgiu quando o aplicativo de GPS dos ônibus — lançado pela prefeitura e Associação dos Transportadores de Passageiros (ATP) no mês passado — não mostrava o C4 entre as que circulam pela cidade. Como passageiros e motoristas já se conhecem, logo a notícia se espalhou.
Trabalhadores
Na noite de quarta para quinta-feira, GaúchaZH foi conferir de perto a situação do trajeto que será extinto. Entre 22h e 1h30min, a reportagem circulou em três horários, saindo do Centro Histórico. A primeira impressão é que o perfil dos usuários realmente mudou. Nos três trajetos em que GaúchaZH esteve a bordo do coletivo, praticamente todos os passageiros estavam usando o itinerário para voltar do trabalho.
A maioria embarca na região do bairro Moinhos de Vento e desce no Centro, onde ainda pega um segundo ônibus ou até um trem para conseguir chegar em casa. Foram 30 pessoas transportadas, sendo 12 na primeira e outras 12 na segunda volta, às 22h e às 23h, respectivamente. Outros seis passageiros viajaram no horário que saiu do Centro às 0h30 e voltou ao local perto da 1h20min.
Para quem vê o C4 como a única opção de transporte na noite de Porto Alegre, a notícia de que a linha pode ser extinta causa espanto e, principalmente, medo. O porteiro João Paulo, 66 anos, usa o trajeto para ir ao trabalho desde sua criação, há oito anos.
— Deus me livre, não podem tirar essa linha. Vai acabar com a única opção que eu tenho para chegar no serviço.
O segurança Marçal Martins, 31 anos, diz que com fim da linha, ele vai precisar largar o emprego. Recentemente, Marçal vendeu seu carro e usa o ônibus para voltar do serviço, já que é a única opção que circula pela região da Avenida 24 de outubro neste horário.
— Não tenho condições de comprar carro e nem moto, agora. Sem o ônibus, não tenho como trabalhar — teme o segurança.
Segundo a EPTC, desde o início da operação da linha houve uma redução em média de 55,3% na demanda de passageiros transportados por viagem. Em seu primeiro ano, 2012, a linha transportou 37.883 passageiros. Já em 2018 este total foi de 16.914. Entre janeiro e agosto deste ano, já foram transportados 12.696 passageiros.
Oferta sem demanda
Conforme a assessoria de imprensa da Carris, o trabalho para melhorar a gestão da empresa tem tido foco em saber o que gera resultado e o que dá prejuízo. Por isso, a situação da linha C4 foi revista, já que era uma oferta de serviço com a demanda baixa. A decisão de protocolar o pedido de extinção na EPTC foi feito após um estudo da Carris que mostrou a inviabilidade da linha. A empresa reforça que fez pedido, mas coube aos órgãos gestores do sistema de transporte público, neste caso, a EPTC e o Comtu, decidir sobre o tema.
A reportagem solicitou à Carris uma entrevista para esclarecer como a extinção da linha poderia, ao menos, beneficiar outros itinerários. Isso em razão da economia de combustível, manutenção e pessoal que será gerada com o fim do C4. Até o fechamento desta reportagem, não houve retornos.
Fala, passageiro
Essa linha foi um achado para mim. Pego na saída do serviço e desço na esquina de casa. Teria que caminhar da Rua José do Patrocínio até a Avenida Osvaldo Aranha para conseguir pegar outro ônibus.
Cléverson Rodrigues, 43 anos, professor
Eu teria que caminhar da Avenida Goethe até a Avenida Protásio Alves para conseguir um ônibus. Já fui assaltada três vezes fazendo isso. E com carro de aplicativo, gastaria R$ 30 por dia.
Daiane Dallapeta, 38 anos, recepcionista
Se tirarem o C4, vou precisar sair mais cedo da aula para pegar outra linha. Ou então, esperar muito tempo depois que a aula termina.
Andrea Soares, 25 anos, estudante de odontologia
Quem trabalha nos comércios da região da Rua Padre Chagas depende dessa linha para voltar para casa. Mudem o nome para Trabalhador Seguro, então.
Márcia Fernandes, 42 anos, garçonete