No ano em que a dupla com Rogério Melo completa duas décadas, César Oliveira, 49, afirma que o atual momento marca a sua vida mais do que a carreira. O músico e ativista cultural é o patrono dos Festejos Farroupilhas no Estado. O cargo, que já foi ocupado por nomes como Paixão Côrtes (1927 - 2018), Nico Fagundes (1934 - 2015), Telmo de Lima Freitas e Renato Borghetti, tem lhe propiciado percorrer o Rio Grande - desde o acendimento da Chama Crioula, em Tenente Portela, em agosto, até tantos outros eventos que cultivam as tradições gaúchas. Com 23 discos e três DVDs, somando os seis anos de carreira solo às duas décadas de dupla com Rogério Melo, César também ganhou destaque na telinha. Foi no reality show Desafio Farroupilha, na RBS TV, com Rogério.
Nesta entrevista, ele fala sobre a honraria de ser patrono farroupilha, revela como tem trabalhado para aproximar os jovens das tradições gaúchas e explica por que foi escolhido patrono "solo", mesmo formando uma dupla. O Acampamento tem a sua abertura oficial neste sábado (sete), às 18h, com a chegada da Chama Crioula. A programação segue a mil até o dia 20, no Parque Maurício Sirotsky Sobrinho.
Qual foi o teu sentimento ao receber o convite?
É uma coisa que marca a tua vida como um todo. Acho que não marca só a carreira, é algo maior. Quando as pessoas perguntam o que eu faço, hoje, eu digo que sou ativista cultural. Isso é o mais importante. Quando a secretária estadual da Cultura (Beatriz Araujo) me fez o convite, por meio do Nairo (Callegaro, presidente do Movimento Tradicionalista Gaúcho, o MTG), eu titubeei, pois sabia da importância da missão. E considero que existem pessoas nos bastidores do meio tradicionalista que têm suma importância (e que poderiam ser patronos). Então, tomei como uma missão e fico feliz. Temos uma riqueza inexplorada, todo mundo fala isso, mas temos que fazer essa manutenção (da riqueza inexplorada).
Como fazer isso?
Hoje, estamos dentro de um Acampamento Farroupilha que está no coração de uma cidade. E sempre tomo como base o povo nordestino e o povo do Norte que exploram o seu turismo. As quadrilhas e festas juninas que eles têm lá sustentam inúmeras famílias, por meio do folclore e de sua cultura. E aqui? Temos mais de 30 mil dançarinos de invernada que pagam para dançar. Em um mercado de marketing, isso é fidelidade, é caríssimo! E não exploramos da melhor forma. Quando falamos em festejos, o Estado inteiro tem esse sentimento. Gaúchos que moram fora daqui também têm esse sentimento. E isso vai até o fim do mês. Santa Catarina já tem os seus festejos farroupilhas, o que é maravilhoso! Então, o que a gente pode tirar disso e que não é explorado? Temos que evoluir, mas sem perder a raiz.
O que tu achas que pesou na escolha para seres o patrono?
Claro que a minha carreira em si pesa, o trabalho com o Rogério, o trabalho que eu fazia antes de formar a dupla (ele lançou sete discos antes de se unir a Rogério), pois a tua carreira é construída em cima do teu nome. Mas eu vejo uma outra construção (que o levou a ser patrono), falando de cultura, e cultura não é só lenço no pescoço. Quando eu falo em cultura, é Carnaval e lenço no pescoço, é quando tem identidade. Ser gaúcho, hoje, para mim, e até para muitas pessoas que moram aqui, mas que não são gaúchas, é um estado de espírito. Essa construção, a gente sempre fez em silêncio. E, de uns tempos para cá, acredito que passei a dar mostras que era hora de a gente descruzar os braços e começar a trabalhar.
As pessoas não estranham o fato de integrares uma dupla e seres um patrono "solo"?
Eu e o Rogério, que é meu amigo de mais de 20 anos, sempre tivemos o compromisso de mostrar, por meio da nossa carreira, o que é nosso, de forma mais agradável, e de forma coletiva, principalmente. Tivemos grandes batalhas, cada um fazendo a sua parte. E sobre o fato de eu ser patrono, a questão é que o cargo é ocupado por uma pessoa somente. O Rogério é um cara que tem outra característica, eu possuo a característica de estar inserido em alguns meios. E tenho um tempo um pouco maior de estrada, ele foi inserido em um trabalho que eu já tinha. Quando recebi essa deferência, o nosso sentimento é como se ele tivesse sido indicado, ele também merece muito. Na dupla, a gente sempre fala que um é o cérebro, e o outro é o coração. E os dois têm que andar juntos.
Quem é quem nessa divisão?
O coração é o Rogério, com aquele coraçãozão que ele tem (risos). Mas eu tô ficando velho, ficando mais coração. Eu comento com o Érlon Péricles, parceiro que está fazendo comigo a música oficial dos Festejos Farroupilhas (a canção Quem Descobriu o Rio Grande também tem a parceria de Lincon Ramos) deste ano: o tempo vai te ensinando muitas coisas, principalmente, porque tu já estás com o tempo mais curto. Então, tu tentas usar o tempo da melhor maneira possível, tu sabes usar cada momento. A maturidade te ajuda nesse sentido.
Como tu conciliarás a agenda da dupla (que marca 20 shows neste mês), a família (é casado com Katyana, 31 anos, com quem tem Benício, cinco) com os compromissos como patrono?
Esse dias, o meu médico me perguntou: "Quando tu tens o teu momento de lazer?". Respondi: "Quando tô no palco". Quando recebi essa deferência, comecei a trabalhar no dia seguinte, pois pensei: "Tenho que honrar isso". O sentimento que tenho em relação a isso é muito importante. Vou a todos os eventos que posso. Se puder ir e conciliar com os shows, certamente, estarei nesse eventos.
E qual dos momentos tu consideras mais fundamental?
Ah, acredito que 20 de setembro, o dia do desfile. Mas acredito que o mês inteiro (seja fundamental para a cultura). Certa vez, uma pessoa me perguntou: "Tu achas que as coisas mudam em setembro, que as festividades estimulam o turismo, que elas exaltam o sentimento farroupilha?". É claro que tudo muda neste mês, tudo o que acontece em setembro é importante, é um mês em que as pessoas têm esse sentimento.
Desde que foste escolhido patrono, qual momento foi o mais emblemático para ti?
Até agora, foi quando participei do acendimento da Chama Crioula, em Tenente Portela. Naquele momento, eu vi a sensibilidade das pessoas, da comunidade. Tomara que tenha um momento que me toque tanto na vida quanto aquele, mas acho difícil. E acredito que devemos ser mais raiz, muito mais raiz, a raiz nos sustenta, nos dá alimento, e menos âncora, porque a âncora te deixa acorrentado, te prende, te tira a vontade de evoluir.
Temos visto, nos últimos tempos, movimentos do MTG e até de alguns CTGs que buscam aproximar as tradições gaúchas dos mais jovens, que, nitidamente, se afastaram delas. Na condição de patrono, como enxergas essa tentativa?
Eu acho que iniciativas como essa demonstram a importância do sentimento de renovação, que é necessário. O MTG é muito importante, mas eu acredito que deve sofrer uma manutenção. Esses dias, o Nairo me perguntou: "César, onde nós erramos nessa questão da renovação?". Ninguém erra, tudo tem o seu tempo e acho que, agora, é um tempo em que se deu o início para fazer a evolução com bom senso, coerência, para trazer essas pessoas. Hoje, não tem como fazer reclamação sobre os gostos musicais dos jovens.
Temos que trabalhar para que eles nos escolham. Hoje, o que o jovem mais quer, e o que ele menos tem, são referências saudáveis. Não tem como impor as coisas para os jovens. A imposição te tira a condição maior, que é a de conquista, de convencimento. Sempre dialoguei com crianças e com jovens. A nossa dupla sempre teve preocupação com os jovens e com as crianças.
E como está a tua expectativa para o show que a dupla fará no Acampamento, no próximo dia 12? Desta vez, será diferente, porque subirás ao palco já como patrono...
Sabes que, independentemente do posto que tu ocupas, eu acredito que o mundo precisa de pessoas mais autênticas e menos personagens. Já estamos cheios de personagens atualmente, né? Ser verdadeiro, autêntico, natural, como eu e o Rogério, que sempre fomos o que somos, isso é o que levaremos para o palco, independentemente de qualquer honraria. O que teremos lá é a emoção que a gente sempre tem. O que é mais gratificante, para nós, é ver esse sentimento de orgulho se espalhar.
E o que fica de tudo isso, desse teu momento?
Acho que as outras pessoas se sentiram representadas. Para mim, é uma obrigação representar esse sentimento da melhor maneira possível. Por mim e pelo meu filho. Acredito que temos que ter orgulho de ser o que somos. Mas eu reforço: não é só a identidade do lenço no pescoço, é a identidade do orgulho de ser o que nós somos, de ter esse diferencial. Mas, ao mesmo tempo, não achar que o que é bom e melhor é nosso. O gaúcho tem esse pensamento, né? Temos que tirar esse preconceito, esse bairrismo, essas rotulagens, porque o mundo não é mais para isso.
Atenção, gauchada! Todos os shows abaixo têm entrada franca e ocorrem no palco principal do Acampamento Farroupilha, no Parque Maurício Sirotsky Sobrinho. Veja os que já estão previstos.
— Neste sábado (sete), na abertura: às 20h, apresentação do CN Boitatá, campeão de danças tradicionais da Força B do Enart 2018 e da 2ª Inter-Regional 2018. Às 21h30min, o primeiro show do Acampamento é com Alma Gaudéria.
— Neste domingo (oito): às 18h, apresentação artística do CTG Laço Velho, de Bento Gonçalves. Às 21h, tem show de Cristiano Quevedo.
— Segunda-feira (nove): às 20h, espetáculo de De Lima e Leninha e Grupo.
— Terça (10): às 20h, apresentação musical de Paysanos.
— Quarta (11): às 20h, show de Jadir Filho e, às 21h, Marcas do Rio Grande.
— Quinta (12): às 21h, César Oliveira & Rogério Melo.
— Dia 13: às 21h, Érlon Péricles.
— Dia 14: às 17h, Os Fagundes. Às 19h, performance do CTG Rancho da Saudade, de Cachoeirinha. Às 23h, sobe ao palco Pedro Ortaça.
— Dia 15: às 20h30min, Rudy Kestering.
— Dia 16: às 20h, grupo Tô-Che-Gan-Do.
— Dia 17: às 20h, Rainieri Spohr.
— Dia 18: às 20h, Capitão Faustino. Às 21h, tem Jorge Guedes e Família.
— Dia 19: às 20h, grupo Recuerdos. Às 22h, Sina Fandangueira comanda o espetáculo.
— Dia 20: às 21h, Quarteto Coração de Potro.