Reaberto há um ano, o Hospital Beneficência Portuguesa se mantém vivo e começa a respirar sem aparelhos. Localizado na Avenida Independência, no centro de Porto Alegre, a instituição centenária conseguiu retomar o fluxo de pacientes por convênio e parte do contrato com o Sistema Único de Saúde (SUS). Mas as dívidas do passado e problemas deste último ano ainda fazem com que o hospital tenha que lutar contra dificuldades financeiras: funcionários estão com os salários de março e maio em atraso.
Administrado pela Associação Beneficente São Miguel (ABSM) desde 9 de julho de 2018 – após a saída da Associação Portuguesa de Beneficência, antiga mantenedora –, o Beneficência registrou uma média de 240 pacientes por mês no último trimestre. Desde a reabertura, em 28 de agosto do ano passado, cerca de 3 mil pessoas já foram atendidas, sendo 162 internadas.
Em maio do ano passado, por exemplo, apenas dois pacientes garantiam que as portas não fossem fechadas. A maioria dos espaços, na época, estava com as luzes apagadas. Mas, desta vez, quem entra no hospital percebe que a movimentação é maior. Na última segunda-feira (26), a reportagem de GaúchaZH percorreu todos os corredores do Beneficência. Na ala de internação, no 4ª andar, dos 22 leitos, 17 estavam ocupados. No Pronto Atendimento (PA), um paciente estava em consulta e outro sendo medicado na sala de observação. Na endoscopia, a equipe finalizava mais um exame.
— Estamos felizes com o que conseguimos avançar até aqui, mas sabemos que ainda temos muito trabalho — afirma o presidente da ABSM, o médico Rafael França.
O PA do hospital atende por convênio e particular, assim como os leitos de internação. Neste momento, a principal procura é de pacientes atendidos pelo Instituto de Previdência do Estado (IPÊ-Saúde).
Para celebrar o aniversário, o coral da Escola da Orquestra Sinfônica de Porto Alegre (Ospa) vai se apresentar na quinta-feira, às 15h, em frente ao hospital. Na sequência, farão uma visita ao Museu de História da Medicina do Rio Grande do Sul, que fica junto ao prédio do Beneficência.
Atendimento pelo SUS para pagar passivo
Desde 7 de fevereiro deste ano, o Beneficência retomou os atendimentos pelo SUS. O contrato com o hospital foi rescindido pela prefeitura de Porto Alegre em dezembro de 2017, devido à falta de prestação de serviços por parte da antiga direção.
O novo convênio, porém, engloba atendimentos ambulatoriais e realização de exames, sem internações. Para conseguir negociar com a prefeitura, os atendimentos realizados pelo Beneficência não são remunerados.
O diretor-executivo Ricardo Pigatto explica que, como se trata de um contrato por serviços pagos e não prestados, o valor é descontado do passivo que o Beneficência tem com a administração municipal, que supera os R$ 9 milhões.
Em nota, a Secretaria Municipal da Saúde (SMS) afirma que o acordo firmado para quitação da dívida do Hospital Beneficência Portuguesa com o município não vem sendo cumprido.
“Entre os principais serviços não prestados estão ultrassonografias, que deveriam ser realizadas 1.750 ao mês, mas não foi realizada nenhuma de março até agosto, assim como pequenos procedimentos cirúrgicos, que deveriam ser 30 mensais e também não foi realizado nenhum no período”, informa a nota.
A SMS ainda destaca que, a partir da não prestação de serviços, vem notificando o hospital. “E, caso prossiga a situação, deve encaminhar o assunto à Procuradoria-Geral do Município (PGM) para que sejam tomadas as medidas cabíveis”, finaliza.
Conforme dados repassados pela SMS, foram acordados 483 diagnósticos em laboratório clínico por mês, mas, até agora, foram realizados apenas 140 em cinco meses. No diagnóstico anatomopatológico, que deveriam ser 45 por mês, foram realizados 73 de março a julho. O diagnóstico por radiologia, que seriam 3 mil ao mês, somou 3.127 em cinco meses. Já a endoscopia é o item que tem melhor resultado, com 12 mensais acordados e 32 realizados no mês de julho, 21, em maio, e 25, em junho.
Investimentos somam R$ 6 milhões
Até agora, a ABSM – que desde fevereiro deste ano também assumiu a gestão do Hospital Nossa Senhora das Graças (HNSG), em Canoas – investiu cerca de R$ 6 milhões em recursos próprios no Beneficência Portuguesa. Em 12 meses, foram inaugurados um bloco cirúrgico para pequenos procedimentos, uma ala de endoscopia e concluída a reforma em 20 leitos do 2º andar. Ainda estão em obras a revitalização da Unidade de Terapia Intensiva (UTI), o bloco cirúrgico e a cozinha do hospital – que devem receber um aporte de mais R$ 2 milhões.
— Esperávamos que a UTI e a cozinha fossem concluídas logo, mas enfrentamos muitos problemas estruturais, já que o prédio é antigo. Tivemos que refazer fiação, encanamento, trocar piso e modificar o teto. Mas tudo está seguindo o padrão de construção e as exigências da Vigilância. Serão espaços de ponta — garante Pigatto.
Quem circula pelo hospital percebe a diferença de agosto passado para agora. Mesmo com a demanda bem abaixo da capacidade, o Beneficência começa a mostrar sinais de recuperação.
— Queremos abrir a ala da internação do 2º andar assim que estiverem prontos os 19 leitos de UTI. Ainda não abrimos por estratégia, demanda já teríamos — garante Pigatto.
Salários em atraso
Mesmo com os investimentos, a atual mantenedora não conseguiu saldar todas as folhas de pagamento dos cerca de 115 funcionários. O diretor-executivo reconhece que a rotatividade de profissionais é grande. Os salários de março e maio estão em atraso. A previsão é que sejam pagos até outubro.
— Buscamos sempre o diálogo e a transparência com nossa equipe. Toda semana realizamos um café com os colaboradores para explicar a situação do Beneficência. Eles acreditam e amam esse hospital, isso nos motiva a continuar — afirma Pigatto.
Maria Marques dos Santos, 72 anos, trabalha como ascensorista do hospital há seis anos, mas já havia sido funcionária entre 1971 e 1981. Nem as dificuldades e a mudança de gestão tiraram a esperança dela.
— Nunca tive medo de que fosse fechar, sempre tive fé — conta emocionada.
Maria começou como cozinheira, passou por copa, limpeza e agora é responsável por comandar o antigo elevador do prédio.
— Gosto muito daqui. Por isso voltei. Eu amo esse hospital, é a minha casa — relata.
Repasses mensais à Justiça do Trabalho
Para manter as portas abertas, o Beneficência Portuguesa mantém um acordo com a Justiça do Trabalho referente ao passivo trabalhista da instituição. Na época, os salários estavam há quase um ano em atraso. São cerca de R$ 150 mil retidos mensalmente das contas da instituição.
Conforme o presidente do SindiSaúde, Arlindo Ritter, o sindicato acompanhou a situação dos funcionários até a troca de gestão.
— Quem decidiu ficar, foi por conta e risco — afirma, ao frisar que a orientação é que o funcionário entre na Justiça para solicitar a demissão indireta.
Sobre os demais credores do Beneficência, entre bancos e fornecedores, a Associação São Miguel garante que está formulando um plano de pagamento.
Serviço de oncologia é o próximo passo
Buscando atrair mais pacientes, a gestão do Beneficência firmou parceria com uma clínica para oferecer quimioterapia a pacientes de planos de saúde ou particular. O investimento será pago pelo parceiro, que irá se instalar nos próximos meses com o serviço de oncologia. Serão pelo menos três espaços para quimioterapia, que poderão ser usadas simultaneamente.
Atualmente, o hospital atende cirurgia geral, cirurgia do aparelho digestivo, dermatologia, gastroenterologia, traumatologia, urologia e curativos. Na parte de exames laboratoriais, tem capacidade para realizar 12 mil por mês. Já as especialidades atendidas são exames de endoscopia, colonoscopia, fibrobroncoscopia, ecocardiograma e raio-x.