Após seis décadas de partidas e reencontros, o prédio antigo do aeroporto Salgado Filho, em Porto Alegre, deixará de receber voos nas próximas semanas. A data da mudança ainda não foi divulgada pela Fraport, que administra o aeroporto — informa apenas que será "em meados de setembro". Transferindo as operações da companhia Azul ao terminal principal, em fase final de ampliação, a empresa pretende utilizar o chamado Terminal 2 para seus escritórios e torre de controle.
Da visita do papa João Paulo II à partida de Jango após o golpe de Estado, o aeroporto velho testemunhou importantes passagens da história do Rio Grande do Sul e do Brasil. Voltado para a Avenida dos Estados, o terminal começou a funcionar em 1953, substituindo o chamado aeroporto São João, e passou por sucessivas reformas ao longo das décadas seguintes. Chegou a ser desativado em 2001, com a abertura do novo terminal junto à Avenida Severo Dullius, mas voltou a ser utilizado para voos domésticos em 2010, complementando as operações.
A história do aeroporto se confunde com a do professor do curso de Ciências Aeronáuticas da PUCRS Claudio Scherer, 77 anos, piloto da Varig de 1966 a 1997. Ali, ele passava tardes inteiras assistindo a decolagens e aterrissagens, pelos 12, 13 anos de idade. Circulava pelo terraço panorâmico (à época, não envidraçado) e caminhava até a cabeceira da pista — algo inimaginável com os procedimentos de segurança adotados hoje. Sentado no concreto, ele esperava os aviões se aproximarem. Conhecido do fiscal, também circulava entre os aviões parados, tirando fotos com sua máquina de caixote.
Scherer lembra de uma praça linda no lugar do estacionamento. Recorda também que o prédio tinha muito mais iluminação natural — hoje, acha que "parece uma caverna" — e que a escadaria que leva ao segundo andar dava em frente a um restaurante chique. Fazia parte da programação de final de semana do porto-alegrense ir de carro até o Salgado Filho para comer ali.
O aeroporto nessa época era um orgulho, e voar, coisa para milionários, conta Scherer:
— Nos anos 1960, as pessoas viajavam com traje de noite, botavam tailleur, casaco de pele, faziam penteado. Os homens iam de terno e gravata. Era um desfile de moda.
Junto ao Salgado Filho, ficava também a base da Varig, que ali viveu tempos de luxo. Como o preço das passagens aéreas era tabelado, companhias tentavam ganhar os passageiros no serviço de bordo, explica o ex-piloto.
— No tempo do Electra, que fazia Porto Alegre a São Paulo em uma hora e 50 minutos, o avião decolava de meio-dia e tinha serviço de almoço quente. Vinha canapé, vinho, uísque, cerveja. Recolhidas as bandejas e os talheres de aço, passava um carrinho oferecendo pâtisserie, frutas, sorvete.
Opulência deu lugar a cenário de abandono
A Varig encerrou suas atividades em 2007, e o terminal antigo já não tem nem sombra da opulência de antes. Com os dias contados, há sinais de abandono: elevador que não funciona, grande quantidade de entulhos depositada em sala junto ao terraço panorâmico, fiação à mostra em alguns pontos. De madrugada, com movimento ainda menor do que o normal, há apenas uma lancheria aberta e relatos de atuação de flanelinhas na rua.
— Os prédios importantes como o aeroporto fazem fama, entram em decadência e não voltam mais. Tem a curva de evolução e a curva de decadência — comenta Scherer.
O paulista Dino Bruzadin Filho, 59 anos, fez escala pela primeira vez no Terminal 2 neste mês. Achou a sala de conexão apertada, as áreas comuns "antigas e abandonadas" e as opções de alimentação, limitadas. O engenheiro eletricista paranaense Antonio Maurício Machado, 56 anos, avalia que faz sentido desativar o terminal:
— Nunca achei que ele fosse compatível com uma capital como Porto Alegre. E, para quem não é da cidade, a divisão do aeroporto entre os dois terminais sempre foi motivo de confusão.
Já a professora de séries iniciais Sandra Peres, 50 anos, de Canoas, ficou chateada quando informada por GaúchaZH que o terminal não receberia mais passageiros. Sentada no saguão de entrada, ela disse achar o ambiente aconchegante. Estava admirando a obra de arte gigante na parede a sua esquerda quando foi abordada.