O uruguaio Angelo Manzino definiu, há 60 anos, onde viveria quando crescesse: em um castelo.
— Aquelas coisas da Disney. Eu assistia e pensava: “Quem entrar na minha casa vai entrar em um castelo”.
Técnico em eletrônica em Colônia de Sacramento, cidade que separa o Uruguai da Argentina pelo Rio da Prata, ele deixou a vida de plebeu em 1974 quando decidiu tentar a sorte em Porto Alegre.
— Vim para o Brasil atrás de emprego. Rolei de pensão em pensão solteiro. Fui para o Uruguai, conheci a minha esposa, nos casamos e voltamos para Porto Alegre. Na Restinga, o terreno era mais barato, era o que da dava para pagar — relembra o homem de 65 anos, apontando para os muros que delimitam os 10m de largura por 50m de comprimento.
Como trabalhava a semana inteira no conserto de TVs, a construção do castelo era feita aos domingos e feriados. Em seu país de origem, aprendeu a carpintaria, colocada em prática sempre que tinha de realizar consertos em casa. A obra do palácio, na década de 1970, durou três anos e meio.
— Não tinha dinheiro para pagar mão de obra, então eu mesmo construí as janelas fundindo o ferro. Sempre que sobrava um dinheiro, comprava um milheiro de tijolos. Se a gente não coloca a mão na massa, o sonho continua sendo sonho. Tem que realizar — ressalta.
O castelhano contabiliza quase 5 mil tijolos nos três andares e na sacada que tem a Estrada João Antônio da Silveira como vista. Na fachada, a construção tem uma torre revestida de pedras, com 10 metros de altura, coberta com telhas de barro. Um para-raios adaptado de uma peça velha de motor de carro finaliza o topo da "residência real".
Se a gente não coloca a mão na massa, o sonho continua sendo sonho. Tem que realizar
ANGELO MANZINO
O bairro escolhido, a Restinga, não figura entre os mais nobres da cidade. Mas ele se diz coroado com os anos em que reinou no extremo-sul da Capital, em um ponto que hoje é referência para os moradores:
— No início, foi bom. Mas depois, como ficou difícil de arrumar serviço, tive de alugar o castelo para um comércio, que até hoje usa o nome Castelinho (em prédio ao lado).
Com o antigo emprego em baixa e dificuldades financeiras, junto ao desgaste da união de 45 anos, veio o divórcio em 2017. O imóvel de 270 metros quadrados foi colocado à venda por R$ 500 mil — negociáveis, afirma Manzino, em tom democrático:
— Como preciso fazer a partilha com a minha ex-mulher, deixo até pela metade do preço.
A ex-mulher e a filha voltaram para o Uruguai. O filho mais novo mora em Estrela, mas não demonstra interesse em continuar a construção.
No interior, sinal do tempo
Por dentro, o espaço precisa de reparos. Sem morador há mais de um ano, as peças empilham entulhos e estão degradadas pela umidade. O acesso ao terraço se dá por uma escada de madeira, escorada na torre. Em algumas paredes, não há reboco, e o cheiro de mofo toma conta do ambiente.
Um amigo dorme no térreo para evitar invasões.
— Todo mundo passa e olha. Dizem: “Um castelo, um castelo!” — afirma Mauro Barbosa da Silva, 56 anos.
Aposentado, o rei deposto vive hoje em um apartamento no centro de Porto Alegre:
— Se não vender, quem sabe eu volto.