A prefeitura de Viamão começou a retirar moradores instalados à beira do Arroio Feijó, na Vila Augusta, no dia 8 de julho. São cerca de 240 famílias que serão transferidas para condomínio construído pelo município com recursos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) do governo federal. Intitulado Viver Augusta, o projeto recebeu R$ 50 milhões e ainda prevê a realocação de mais 105 famílias.
Conforme o prefeito André Pacheco, a Vila Augusta é conhecida pelos constantes alagamentos e é considerada área de risco.
— É uma ocupação irregular de uma área de preservação ambiental. O Viver Augusta é um dos maiores programas habitacionais de Viamão — afirma Pacheco, ao relatar que o investimento ainda contempla a revitalização do arroio, a construção de quatro pontes e a pavimentação de 11 ruas.
Desde 2008, a prefeitura buscava tirar do papel o projeto. O recurso foi destinado pela União e, em 2014, começaram as construções dos edifícios. Mas só neste ano foi possível concluir as obras e entregar as chaves aos moradores.
— As famílias contempladas passaram por um cadastro e por uma série de análises. São 240 famílias que serão transferidas para os apartamentos. Na segunda fase, serão mais 105 moradores. Porém, desta vez, será para um condomínio de casas — detalha, ao prever a conclusão do projeto para o primeiro semestre de 2020.
O pedreiro Leandro Cardoso, 44 anos, foi o segundo a se mudar para os apartamentos. Após ver a casa em que morava ser alagada diversas vezes, Cardoso não esconde a felicidade com o novo endereço.
— É uma maravilha. Agora não preciso mais me preocupar quando chove — comemora aliviado.
Para Cardoso, o único problema foi ter que doar os animais de estimação.
— As galinhas eu precisei dar. E um dos cachorros eu doei para a madrinha da minha filha. Só ficamos com um menorzinho — conta.
Os animais, aliás, são motivo para que alguns não queiram se mudar. A empregada doméstica Ângela Maria Ferreira dos Santos, 59 anos, entrou na Justiça para garantir o direito de continuar a morar na casa em que divide com a família e cinco cachorros. A moradia fica às margens do Arroio Feijó, na Rua Teodoro Luís de Castro. Ela e mais cinco vizinhos contrataram um advogado para solicitar explicações da prefeitura.
— Eu só quero respeito. Eu não fui notificada de nada. Em nenhum momento fui informada do que eles querem fazer aqui — reclama.
Moradora do local há 36 anos, Ângela não suporta a ideia de se mudar sem levar os "filhos" de quatro patas: as cachorras Marrom, Pretinha e Anita, e os cães Toby e Morceguinho.
— Eles fazem parte da minha família. Não vou abandoná-los — diz.
De acordo com o prefeito André Pacheco, a Secretaria do Meio Ambiente está acompanhando a situação dos pets.
— Estamos dando todo o suporte, fazendo castrações e acolhendo os animais em locais apropriados — garante, ao estimar que são cerca de 500 bichos nessa região.
Um pouco mais longe
Quem está feliz com a nova casa é o desempregado Juari Oliveira de Oliveira, 40 anos, que se mudou com a mãe para um dos apartamentos de 47 metros quadrados.
— Morava desde os 8 anos na beira do arroio. Agora é outra coisa, bem melhor. O único problema é ficar longe do mercado, do posto de saúde e da escola — considera.
Da beira do arroio ao local da nova moradia, localizada na Rua Cultura, são cerca de dois quilômetros de distância.
Quando a mudança tiver terminado, as casas antigas são derrubadas por retroescavadeiras da prefeitura para garantir que não voltem a ser ocupadas ou sejam vendidas de forma ilegal.
Mudança emperrada
O casal Douglas Costa de Camargo e Thaís dos Santos de Souza, ambos de 26 anos, não sabe mais qual resposta dar aos dois filhos. Com a mudança pronta e parte da casa desmanchada, eles ainda não receberam a chave do apartamento. O calendário estimava que a primeira noite de sono da família na casa nova seria de segunda para terça-feira desta semana.
— Chegamos a comprar uma cama nova para as crianças. Elas estavam muito felizes. Queriam muito dormir no apartamento. Não sei mais o que dizer a eles — lamenta Thaís.
Segundo o coordenador da Defesa Civil, Teófilo Medeiros, responsável pelos processos de mudança, a chave só será entregue ao casal após a liberação de todo o terreno às margens do Arroio Feijó. Porém, no mesmo espaço, mora o pai de Douglas, o funcionário da prefeitura de Viamão Antônio Carlos de Camargo, 65 anos.
— Ele não foi contemplado com o apartamento, pois a prefeitura alegou que a renda dele é maior. Imagina! Por anos ele ganhou só R$ 600. Agora que recebe um pouco mais de salário, a prefeitura faz isso com ele. Como eu vou deixá-lo sem casa? — reclama Douglas.
De acordo com Medeiros, Douglas e Thaís seguem contemplados com o apartamento, mas a entrega da chave depende da saída de Antônio.
— Ele até entrou na Justiça contra a mudança, mentiu sobre a renda familiar. Não temos o que fazer. Ou ele sai do terreno ou a gente não entrega a chave para o filho — afirma o coordenador da Defesa Civil.
Do outro lado do arroio
Cleomar Luís Pinheiro, 39 anos, reclama que não foi contemplado com o projeto da prefeitura. Ele mora na Rua Luanda, na margem oposta ao do local que está sendo desocupado.
— Aqui também alaga. Já perdi a maioria dos móveis e eletrodomésticos. Fico feliz pelos outros, mas triste pela minha família. Aqui, a prefeitura só garante o recolhimento do lixo e iluminação pública. O restante, temos que nos virar — critica.
Conforme o chefe do Executivo de Viamão, todas as famílias que estão à beira do Arroio Feijó foram contempladas.
— Além disso, fizemos todo um levantamento da real situação sócio-econômica desses moradores — afirma.
Renda familiar acima do teto
A auxiliar de serviços gerais Aline Schultz Martins Villagran, 37 anos, comprou a casa em que mora, na Rua Teodoro Luís de Castro, há dois anos. Na ocasião, não sabia que o local estava em conflito com a prefeitura.
— Aqui em casa, não entra uma gota d’água. Fizemos drenagem no pátio. É uma casa boa, fizemos melhorias. E agora, o que vou fazer? — questiona.
Aline não foi contemplada com um apartamento devido à renda da família, que ultrapassa o teto previsto pelo programa.
— Não somos ricos. Não tenho como sair daqui e deixar tudo. O pior é não ter informações da prefeitura — reclama.
Para evitar perder a casa, Aline e o marido, Volmir Oliveira Villagran, 48 anos, entraram na Justiça com os vizinhos. A ação coletiva tenta garantir o direito deles permanecerem ali. Conforme a prefeitura, os moradores que têm recursos para arcar com um aluguel terão que procurar outro local para morar. O processo de reintegração de posse, porém, ainda precisa passar por mais etapas.
Uma decisão conflitante
O comerciante Aroni José Antunes Pereira, 50 anos, já perdeu os móveis da casa diversas vezes ao longo dos anos. Mas considera a mudança de endereço uma decisão conflitante.
— Uns gostam, outros não gostam. É bom ficar longe do arroio, mas perdemos espaço e conforto. Querer sair mesmo, eu não quero. Mas toda vez que chove, minha mulher fica agoniada e não consegue dormir — confidencia.
Hoje, Pereira paga as contas com a “vendinha” que tem no mesmo espaço da casa. Com a mudança para o condomínio, ele terá que alugar uma peça para manter o negócio.
— Ou terei que mudar de ramo — considera.
Enquanto isso, ele observa a demolição das casas dos ex-vizinhos. Isso porque a família de Pereira foi contemplada com uma casa, que deverá ser construída e entregue na segunda etapa do programa Viver Augusta, apenas no primeiro semestre de 2020.