— O amor dos cães é puro e incondicional, o dos humanos é pretensioso.
Essa é uma das frases que Maktub Abdalla, 63 anos, carrega pelas vias do bairro Floresta, em Porto Alegre, para explicar o tamanho da sua paixão pelos animais. O morador de rua abriga em sua barraca e em seu carrinho de supermercado 17 cães de vários tamanhos e idades, todos com o pelo brilhoso e aparentemente bem cuidados.
A barba grande e grossa, o cabelo comprido e a touca bege cheia de furos torna o homem um personagem caricato — daqueles cuja figura não passa despercebida desde o primeiro olhar. O homem vive na Rua Gaspar Martins, mas é conhecido em toda a região.
Quando conversou com GaúchaZH, nesta sexta-feira (7), ele saia de um posto de combustíveis na esquina da Ramiro Barcelos com a Farrapos levando uma caixa de leite recém comprada na loja de conveniência. O alimento era para três cachorrinhos que ele acabara de salvar.
— Estava caminhando e ouvi o choro fino de cachorro, desses pequeninhos, saindo de dentro de um contêiner. Decidi revirar as sacolar e encontrei essas três. Elas iam morrer trituradas por um caminhão — conta.
Os cãezinhos, ainda chorando, estavam sendo segurados em uma das mãos, junto ao peito de Abdalla, enquanto na outra ele empurrava seu carrinho. Ao redor, 12 animais caminhavam e brincavam. Outros dois estavam dentro do carrinho, descansando.
O morador de rua relata que os cachorrinhos são seus melhores e mais fieis amigos: passam o dia juntos e dormem na mesma barraca.
— A gente se esquenta junto. Às vezes, eles estão com pulga e com sarna, e eu também. Brinco que a gente forma uma banda de música, cada um toca um instrumento por causa da coceira. Mas só eu falo, então sou o vocalista — brinca.
Abdalla depende de doações para conseguir comprar ração, vacinas e remédios para os seus animais. Moradores da região e funcionários de estabelecimentos comerciais, como boates e postos de combustíveis, o ajudam.
Ele conta que veio da Síria aos oito anos e que, no Brasil, formou-se engenheiro agrônomo. Trabalhou e teve cinco filhos. Mas um desentendimento na família teria o feito ir para a rua:
— Sou feliz assim. Às vezes, minhas filhas me procuram.
O morador de rua prefere não dizer o motivo do desentendimento. Foi a única pergunta que não respondeu ao longo das duas horas em que GaúchaZH conversou com ele.
— Algumas pessoas me tratam como louco, mendigo. Não tenho condições de passar segunda impressão. É a primeira impressão que fica: de um velho barbudo, que fede a cachorro. Posso ser louco, mas um louco consciente. Sou feliz fazendo o bem. Tem muita gente pelo mal por aí — diz.
Para ele, "tem muita gente cheia por fora e vazia por dentro". Diferente dos cachorros que o acompanham.