Audiência pública na Assembleia Legislativa irá discutir nesta segunda-feira (17), às 14h30min, uma nova concessão da Estação Rodoviária de Porto Alegre à iniciativa privada. A análise deverá girar em torno de aspectos do edital e dos estudos de demanda. O governo estadual é o responsável pelo processo. No evento de hoje, além da participação de deputados estaduais, devem estar presentes representantes da Associação dos Empresários da Estação Rodoviária de Porto Alegre (Aeerpa), entidade que congrega cerca de 80 locatários do terminal, incluindo lojas, restaurantes, lancherias, lotérica, conveniência e farmácia.
Entre os assuntos que serão abordados, o deputado Sebastião Melo (MDB) cita o fato de o edital propor a transformação do terminal, mas não se dedicar aos temas do entorno.
– Não podemos projetar um prédio moderno e não tratar dos moradores de rua, das calçadas, dos hoteleiros e taxistas e da questão viária – destaca Melo, proponente da audiência pública.
Um item polêmico do edital se refere à projeção de alta nas vendas de passagens na futura rodoviária: crescimento de cerca de 21% entre 2019 e 2043, durante os 25 anos de concessão, passando de 4,6 milhões de passageiros para 5,5 milhões. O dado consta no estudo de demanda da consultoria KPMG, contratada no governo de José Ivo Sartori para elaborar levantamentos técnicos e desenhar a modelagem da concessão do espaço.
Nos últimos 20 anos, entre 1998 e 2018, a procura por viagens de ônibus no terminal diminuiu, caindo 24% no período. Esse fenômeno decrescente, reconhecido pela própria KPMG no estudo de demanda, é fruto de diversos fatores, incluindo o surgimento de aplicativos de carona para viagens interestaduais e de rotas não oficiais feitas através de ferramentas como o Buser, apelidado de “Uber dos ônibus”.
– Considerando o sistema de aplicativos que temos hoje, o Uber dos ônibus que já se espalha pelo Brasil, será que teremos, daqui a 25 anos, uma rodoviária com a capacidade do terminal atual? É isso que queremos discutir – avalia Melo.
Além da tecnologia e da informalidade, há ao menos outros dois aspectos que contribuíram para a queda de passageiros ao longo dos anos. Um deles é demonstrado pelo Detran: a frota de carros particulares no Rio Grande do Sul passou de 2,4 milhões de unidades, em 2007, para 4,1 milhões, em 2019. As pessoas estão se locomovendo mais por meios próprios.
Outro dado oficial vem da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac). Em 2010, o modal aéreo ultrapassou o rodoviário como opção dos brasileiros para traslados interestaduais. Hoje, as viagens domésticas de avião são superiores às de ônibus. A proporção, em 2017, foi de 67,5% de passageiros pelo ar versus 32,5% pelas estradas.
Apesar de os indicativos apontarem a hipótese de redução da demanda, o estudo da KPMG para a concessão concluiu que haverá elevação. Em 2043, a venda de bilhetes deverá ser quase 1 milhão maior do que a taxa atual, segundo a consultoria. Para chegar no indicativo, a KPMG adotou uma fórmula que considera o crescimento populacional e da renda do cidadão, além de um item definido como “elasticidade”, o qual leva em conta a variação de elementos como o Produto Interno Bruto (PIB) e o preço dos combustíveis.
O estudo da consultoria diz que o IBGE possui estatística populacional para o Rio Grande do Sul somente até 2023. Por isso, alega ter aplicado a taxa de crescimento deste ano de forma constante até o final da concessão, o que gerou a estimativa de 12,4 milhões de habitantes no Estado em 2043.
O IBGE, porém, possui estatística populacional até 2060. E, segundo o instituto, a população gaúcha será de 11,6 milhões em 2043 – quase 1 milhão a menos. Neste ponto, a fórmula da consultoria para prever a alta é questionada por permissionários que atuam hoje na rodoviária.
– Ainda foi apontado que a procura vai subir baseada na renda da população. Nos últimos 20 anos, tivemos crescimento de renda e, mesmo assim, a venda de passagem de ônibus caiu. São coisas que não estão diretamente relacionadas – avalia Cássio El-kik, vice-presidente da Aeerpa.
A projeção de demanda é fundamental porque é a partir dela, dentre outros fatores, que se faz o cálculo do “valor do negócio”. São estimativas que irão permitir ao concessionário projetar o quanto irá lucrar na operação. Com os rendimentos, o empresário que ganhar a concorrência também terá de investir R$ 76,7 milhões em obras de qualificação da rodoviária. Se os estudos forem imprecisos, podem ocorrer a desidratação dos planos de qualificar o terminal ou ampliação do prazo de concessão para fazer o reequilíbrio econômico-financeiro do contrato.
Titular da Secretaria Estadual Extraordinária de Parcerias, Bruno Vanuzzi é cauteloso e não estima prazos para o andamento da concessão, destacando que próximas etapas dependem de análises da Contadoria e Auditoria-Geral do Estado (Cage), da Procuradoria-Geral do Estado (PGE) e do licenciamento na prefeitura de Porto Alegre. Sobre as divergências, ele pediu “um crédito”.
– Não podemos esquecer que o estudo foi feito por uma das quatro maiores empresas de consultoria do mundo – diz Vanuzzi.
O que diz a consultoria?
Procurada, a KPMG enviou nota sobre o assunto. Confira a íntegra:
"A KPMG informa que, com relação ao questionamento sobre o estudo de viabilidade feito pelo consócio KPMG/Manesco/Planos para a concessão da estação rodoviária de Porto Alegre, a projeção da demanda foi estimada com base nas melhores práticas de mercado. Da análise dos dados apresentados nos estudos foram verificados a redução do nível atingido para a demanda anual nos últimos anos e a média anual projetada de passageiros. Nesse estudo, o método utilizado foi a análise de regressão e os fatores utilizados foram a população e a renda a partir de dados do IBGE que leva em consideração a projeção populacional por Estados e não por municípios.
No que diz respeito ao fator tecnológico, o estudo considerou nas premissas a possível mudança de perfil no consumo dos serviços de mobilidade de longo curso. Para tanto, se utilizou de duas estratégias: a criação de sinergias entre a estação rodoviária e as novas tecnologias de disponibilização dos serviços de transporte; e a criação de um mecanismo de proteção do projeto contra oscilações na demanda geradas por novas tecnologias, permitindo que, nessas ocasiões, o contrato seja repactuado para a adequação às futuras características do setor."
Passagens vendidas na rodoviária de Porto Alegre nos últimos 20 anos
- 1998: 5,8 milhões
- 2002: 6,5 milhões
- 2006: 6,1 milhões
- 2010: 5,6 milhões
- 2014: 6,1 milhões
- 2018: 4,6 milhões
- Queda de 24%
Fonte: Departamento Autônomo de Estradas e Rodagens (DAER) e Agência Naciontal de Transportes Terrestres (ANTT) - Reprodução: KPMG.
Projeção da venda de passagens da rodoviária para os próximos 25 anos de concessão
- 2019: 4,6 milhões
- 2023: 4,7 milhões
- 2028: 4,9 milhões
- 2033: 5,1 milhões
- 2038: 5,3 milhões
- 2043: 5,5 milhões
Fonte: KPMG