Um dos símbolos da época de ouro dos cinemas de calçada de Porto Alegre, o prédio que abrigou o Cine Imperial sofre duplamente com a ação do tempo: enquanto a estrutura na Rua da Praia se degrada, o projeto para restauração está parado em algum lugar de Brasília.
O cenário visto por quem passa pelo calçadão é desalentador. A marquise que deveria proteger as históricas portas está apoiada em postes de madeira sob as aberturas triangulares enferrujadas e com vidros quebrados. Janelas têm proteções intercaladas: ora com venezianas, ora com tapumes. As luminárias em cinza escuro têm partes descobertas. A calçada sem pedras interrompe as ondas da Rua da Praia, e tapumes completam o cenário.
Fechado há 14 anos, o prédio começou a ser restaurado uma década atrás para ser transformado em centro cultural pela Caixa Econômica Federal. Mas, em setembro de 2017, os trabalhos foram interrompidos. Uma nova licitação chegou a ser prevista para 2018, mas não ocorreu.
A Caixa afirma que o projeto está "em processo de revisão". Não informa, porém, em qual etapa o restauro parou e sequer tem previsão de retomada dos trabalhos, que deveriam ter sido concluídos em 2010 — foram gastos cerca de R$ 15 milhões em recursos do banco.
O Caixa Cultural deve ter um cine-teatro com 650 lugares — capacidade semelhante à do Theatro São Pedro —, além de salas para exposições e um miniauditório. O prédio pertence à prefeitura, que, como contrapartida, ocuparia de cinco a oito dos 11 andares.
— Não é possível que Porto Alegre não tenha ainda um centro cultural federal. Precisamos disso — lamenta José Francisco Alves, coordenador da Memória da Secretaria Municipal da Cultura.
De Noel Rosa a Carmem Miranda
Cristiano Zanella, autor do livro The end — Cinemas de Calçada em Porto Alegre, o Cine Imperial foi o cinema de calçada com mais tempo em atividade no Rio Grande do Sul: 74 anos, entre 1931 e 2005. O espaço também era dedicado a outras atividades culturais.
— Lá, se apresentaram Noel Rosa, Dercy Gonçalves, Carmem Miranda... Além de conferências e manifestações. Era uma época de ouro, quando as pessoas vestiam suas melhores roupas para ir ao centro — lembra.
Em sua pesquisa, Zanella ouviu as mais variadas histórias, até mesmo sobre presença de fantasmas de moradores e frequentadores.
— Era um luxo morar em cima do cinema. Os 11 andares foram residenciais, depois salas comerciais. No início dos anos 1970, foram desativados.
Na década de 1930, Porto Alegre teve mais de 20 cinemas de rua. A Andradas chegou a ser chamada de "Pequena Broadway", pelo colorido da iluminação noturna e pelo movimento de pessoas e automóveis. Quatro cinemas tinham destaque: Imperial, Guarani, Central e Ópera.
A última casa com filmes comerciais fechou em novembro de 2018: o Cine Victoria, inaugurado em 1940, próximo à Esquina Democrática. O diretor Luiz Carlos Maurente se emociona ao lembrar dos três anos que esteve à frente da administração.
— É muito difícil. Ficamos marcados para sempre. Ver as crianças da escola entrando pela primeira vez em um cinema é tocante. Gostaria de receber algum convite para trabalhar em qualquer cinema — conta, ao lamentar que teve de entregar os dois projetores digitais após o fechamento.