Ponto de encontro para gerações de universitários e endereço de um dos bolinhos de bacalhau mais famosos de Porto Alegre, o Restaurante Mariu's fechou nesta semana, depois de 43 anos na chamada "Esquina Maldita" de Porto Alegre. O anúncio foi pelo Facebook, junto com fotos de clientes e do proprietário, Mário Fernandes, celebrando seu aniversário de 97 anos no local.
Uma soma de fatores levou à decisão: a crise financeira, a insegurança à noite e a idade do seu Mario. Se antes trabalhava das 7h30min às 17h, no último ano, já não conseguia mais se dedicar ao ponto na Avenida Osvaldo Aranha.
— Não poder mais, o problema foi esse. Eu queria ir ao restaurante, mas não me levantava mais — justifica o português.
A filha, Lila Fernandes de Matos, 65 anos, se emociona ao falar da decisão. Ressalta que sempre amou trabalhar no restaurante e que, de alguma forma, ajudou a formar turmas e de universitários do Campus Central da UFRGS, que fica a alguns metros. Lembra que já ocorreu de estudantes mandarem fazer faixa de "Miss Simpatia" para agradecer o atendimento e que também entregavam retratos da formatura para que pendurasse nas paredes do bar.
Ela explica que fechou as portas de maneira discreta por achar que seria difícil demais servir a última saideira.
— É muito doloroso. Se assim já estou sofrendo, imagina com uma despedida — comenta. — Eu acolhi esses estudantes. Eles se sentiam em casa aqui, porque a gente tinha eles como membros da família.
Nascido no Distrito de Aveiro, Mario veio ao Brasil na década de 1940 a bordo de um navio brasileiro da 1ª Guerra Mundial. Trabalhou entregando pão, no começo, e não tardaria para ali mesmo, no ponto do Mariu's, abrir uma padaria. Assava pão em forno a lenha para os hospitais (Getúlio Vargas e Santa Casa, por exemplo) e para a própria UFRGS. Também teve um restaurante na Cristóvão Colombo, o Tejo, mas a partir de 1975 dedicou-se ao Mariu's junto da família.
O carro-chefe da casa era o bauru português, feito com pão d'água, bife, tomate, alface, presunto, queijo, cebola frita, ovo e maionese da casa. Além do bolinho de bacalhau, é claro, que a comunicadora Sara Bodowsky já definiu como "um dos melhores que já comeu". Mario, em pessoa, fazia a massa deles, com pouca batata e um toque especial de pimenta.
— Além da comida, que era muito boa, o clima lembrava um pouco da história de Porto Alegre que a gente não quer perder. Perto da UFRGS, onde quase todo universitário começava com pouca grana, havia sempre um bom papo, uma boa comida e uma sensação de casa — afirma Sara.
A partir da década de 1970, com bares como Alaska e Acapulco, o Mariu's era um dos pontos que lotava na chamada Esquina Maldita (Osvaldo Aranha com Sarmento Leite). Ali, estudantes, intelectuais, artistas e afins se reuniam para falar principalmente de política e filosofar sobre a vida. Último remanescente da época, o Mariu's agora está a venda — a família aceita negociar apenas o ponto ou a marca também. E o português terá o merecido descanso, depois de mais de oito décadas trabalhando.
—Agora é só Coca-Cola, cerveja, um vinho bom e bolinho de bacalhau, que nunca falta — comenta seu Mário.
Por que "Esquina Maldita"?
Paulo Cesar Teixeira, autor do livro Esquina Maldita, conta que a expressão teria sido usada para se referir ao ponto boêmio pela primeira vez pelo jornalista Licínio Azevedo (hoje radicado em Moçambique, onde construiu carreira de cineasta) no bar Alaska, no começo da década de 1970. No ano passado, ele esteve no Brasil e confirmou a história a Paulo Cesar: contou que era editor de polícia na Folha da Manhã e saia todos os dias às 22h ou 23h, direto para lá, onde conversava sobre política e literatura até de madrugada. Contou que, provavelmente influenciado por As Folhas do Mal, de Charles Baudelaire, começou a chamar o lugar de Esquina Maldita e "a expressão pegou".