Algumas horas circulando pelos barracões do Porto Seco, na zona norte da Capital, são suficientes para perceber que o discurso de todas as escolas de samba que lutam para voltar à Avenida em 2019 é afinado: este é o Carnaval da resistência. As entidades se recusam a passar mais um ano sem desfilar, como aconteceu em 2018 para as agremiações da série Ouro e acontece há dois anos para as da série Prata. Com poucos recursos, muita garra e apoio da comunidade, lutam para que seus intérpretes cantem, nesta sexta-feira (15) e no sábado (16), seus sambas enquanto destaques, alas e carros desfilam. Confira como desfilam as seis escolas de samba da Série Ouro:
BAMBAS DA ORGIA – na madrugada de sexta (15) para sábado (16), às 2h
A águia, símbolo da escola Bambas da Orgia, vai sobrevoar a África do Sul. A Bambas vai levar para a Avenida o centenário de Nelson Mandela (1918 – 2013), celebrado no ano passado. Ele foi o grande nome na luta contra o fim do apartheid, movimento que dividia negros e brancos no país. O enredo foi pensado para o Carnaval de 2018. Como já havia estruturas prontas, a decisão foi manter o tema para 2019.
O desfile será dividido em três fases. A primeira retratará as riquezas da África. A segunda, um momento sombrio: quando Mandela foi preso – ele passou 27 anos na prisão.
– Após, vamos mostrar sua liberdade, o momento em que ele vira líder e presidente de uma nação – explica Edy Brittes, carnavalesco e alegorista, que completa:
– Mesmo com as dificuldades, pretendemos levar algumas surpresas para o público. O bambista gosta de ver sua escola na Avenida, sua águia em cima de um carro.
Como todas as outras escolas, a expectativa da Bambas para voltar ao Porto Seco é enorme.
– O fato de passarmos um ano sem Carnaval repercutiu em todas as escolas, e na nossa não foi diferente. Em 2019, abraçamos o desafio de fazer um desfile seja como for. Redimensionamos tudo. A gente está lutando com o que tem – diz o presidente da escola, Nilton Pereira.
A recepção dos foliões tem sido positiva.
– Isso nos surpreendeu: as pessoas estão ansiosas, querem ver o Carnaval, participar. O pessoal tem ido aos encontros que foram feitos antes dos desfiles, e a expectativa é a melhor possível – finaliza Nilton.
- Enredo: É Tempo de Liberdade! No Centenário de Mandela, Sou Bambas da Orgia, a Águia Altaneira da Igualdade
- Carros: dois e um tripé
UNIÃO DA VILA DO IAPI - madrugada de sexta (15) para sábado (16), às 3h10min
A União da Vila do IAPI vai mostrar, nesta sexta-feira (15), o desfile que havia preparado para 2018. O enredo é uma homenagem a Alceu Collares, advogado e político que foi prefeito de Porto Alegre (entre 1986 e 1989) e governador do Rio Grande do Sul (entre 1991 e 1995). Segundo o carnavalesco da escola, Sérgio Guerra, o desfile mostrará toda a trajetória de Collares até chegar ao Palácio Piratini:
– Vamos abordar o início da vida dele, desde a vinda de Bagé para Porto Alegre, sua formação e os cargos que ele ocupou.
Mesmo sem a obrigatoriedade neste ano, a escola decidiu levar alegorias para a Avenida por dois motivos. O primeiro deles é para abrilhantar o espetáculo.
– A escola entende que, quem vai assistir aos desfiles, espera por isso. Vamos ter um carro alegórico propriamente dito e mais três alegorias menores. Uma delas é um trem, símbolo da escola – explica Sérgio.
O segundo motivo para a necessidade de alegorias é a presença do homenageado da noite, que tem 91 anos: Alceu Collares desfilará no carro, junto com a esposa, Neuza Canabarro, e outros amigos próximos, convidados por ele e pela escola.
No barracão, a reciclagem é um imperativo. Há alguns meses, a comunidade foi convidada a juntar tampinhas de garrafas pet nas cores da escola – azul, vermelho e branco –, que serviram para enfeitar alegorias e fantasias.
– Quem olha de longe não percebe, colocamos um adesivo em cima, mas a tampinha deixa um relevo, um efeito interessante. Já que não se tem dinheiro, vamos criar. O importante é sair Carnaval, se não, vamos ficar mais um ano sem. A cultura popular precisa ter seguimento – finaliza Guerra.
- Enredo: O Voto é Tua Única Arma, Prazer! Sou Alceu de Deus Collares, de Bagé
- Carros: um, mais três alegorias menores
IMPERATRIZ DONA LEOPOLDINA - madrugada de sexta (15) para sábado (16), às 4h20min
A escola do bairro Rubem Berta, na zona norte da Capital, resolveu não usar o enredo planejado para o ano passado. Na madrugada de sexta (15) para sábado (16), o desfile da Imperatriz vai homenagear a cidade de Triunfo. A mudança de tema e a escolha do município distante pouco mais de 70 quilômetros de Porto Alegre se deve à riqueza histórica e cultural da cidade, como justifica o presidente da Imperatriz, André Santos.
– Em conversas com a administração da cidade e com membros da escola, tomamos a decisão de homenagear a cidade e seus personagens mais ilustres, como é o caso de Bento Gonçalves – explica André.
Na avenida do Porto Seco, a cidade também será lembrada por ser um dos berços da Revolução Farroupilha. Outros pontos presentes no desfile serão a representação das tribos que formaram a região e da existência do polo petroquímico, um dos principais motores da economia local.
– É uma cidade com muita história para ser contada. Por isso, escolhemos levá-la para a Avenida como a homenageada deste ano – pontua o responsável pela Imperatriz.
- Enredo: Alô, Bateria, Chegou a Hora. A Fantasia se faz Realidade, Vamos Exaltar Triunfo, Berço Nobre do General Farroupilha
- Carros: três
IMPÉRIO DA ZONA NORTE - na madrugada de sábado (16) para domingo (17), às 3h
Quando a Império da Zona Norte entrar na Avenida, vai proporcionar um passeio pelo Nordeste. A escola vai mostrar a trajetória de São João Batista, cuja data é celebrada em 24 de junho. Além de contar a história do profeta, que batizou Jesus Cristo e dedicou sua vida a levar mensagens de paz e de amor, as homenagens a ele e a outros santos, pelas festas juninas, serão abordadas.
– Já tínhamos este enredo encaminhado em 2018. A escola decidiu terminar de desenvolvê-lo neste ano – conta Julio Lemos, o Julião, diretor de Carnaval da Império.
Tudo o que uma festa junina envolve será visto na Avenida: quadrilha, soltura de balões, comidas típicas, festejos. Impossível não relacionar tudo isto com o Nordeste do Brasil:
– Queremos falar sobre o homem nordestino, sua esperança de melhorar de vida, seu folclore, suas tradições e sua alegria, apesar de todos os sofrimentos.
O diretor descreve a preparação para este Carnaval como "nunca vista antes":
– Com aporte financeiro era difícil, sem ele, é coisa para louco. Mas, como o Carnaval é uma loucura saudável, estamos metidos nisso.
Além da resistência, citada por todas as escolas, Rubens Menezes, presidente da escola, destaca uma outra característica: a teimosia.
– Queremos mostrar que a gente gosta de Carnaval e que ele não pode morrer, mesmo que não haja recursos do governo. Não será um desfile como já mostramos em outras oportunidades, mas estamos bem entusiasmados – afirma.
- Enredo: Império em Devoção Exalta São João
- Carros: um abre-alas, com possibilidade de mais um
IMPERADORES DO SAMBA - madrugada de sábado (16) para domingo (17), às 4h10min
No ano em que completou 60 anos, a Imperadores vai mostrar sua história na Avenida com o enredo Imperadores do Samba 60 Anos, o Eterno Brilho de Um Diamante Negro. A mais recente campeã do Carnaval é uma das poucas escolas que decidiu não usar o tema que seria mostrado em 2018, quando não houve desfiles.
– Vamos fazer um link da trajetória da escola com o contexto atual, com as dificuldades que a Imperadores vive nos últimos anos. Tivemos nossa quadra interditada, quiseram nos tirar de lá. Ainda tem toda a problemática do Carnaval, que vem sendo na superação ano a ano – diz o presidente da agremiação, Érico Leoti.
Mas a história que será levada para a Avenida começa bem antes.
– Iniciamos lá na África. Mostramos que nossos ancestrais já tinham nobreza quando chegaram aqui. O Imperador não se transformou em Imperador no Brasil, ele se reencontrou com sua nobreza – revela Érico.
Para levar o Carnaval até a Avenida, a escola aposta na força e na união de seus componentes, que têm trabalhado, muitas vezes de forma voluntária, no barracão e em ateliês. Com recursos escassos, o reaproveitamento de material é um imperativo.
– Costumamos brincar que qualquer um pode entrar no nosso barracão, mas, se alguém chegar perto do nosso lixo, vai arrumar um problema conosco, já que é em cima deste lixo que estamos trabalhando. Reciclamos muita coisa – diz o presidente.
Além disso, a colaboração entre escolas é fundamental:
– As equipes trabalham juntas. Pegamos peças emprestadas, emprestamos material. Se não fosse assim, não sairia Carnaval.
- Enredo: Imperadores do Samba 60 Anos, o Eterno Brilho de Um Diamante Negro
- Carros: dois
ESTADO MAIOR DA RESTINGA - madrugada de sábado (16) para domingo (17), às 5h20min
A Estado Maior da Restinga vai levar a realeza para a Avenida: reis de verdade, reis subjetivos, como o rei da música, o rei do pop e o rei da cocada preta, e reis da ficção, também. Mas, na verdade, o enredo é uma exaltação ao cisne, símbolo da escola.
– A gente vai coroar o cisne, como se ele estivesse renascendo após um período de dificuldades. Será uma festa de coroação, onde todos os reis citados no enredo estarão presentes – explica o carnavalesco Reinaldo Oliver.
Como em outros casos, o enredo escolhido é o mesmo que seria mostrado no ano passado. Para levar a escola para a Avenida sem recursos públicos, além de eventos na quadra, a escola tem contado com o apoio de simpatizantes e, principalmente, da comunidade, que pega junto no trabalho.
– Percebemos que as pessoas estão com muita gana de fazer o Carnaval. De certa forma, as pessoas se sentiram diminuídas quando sua cultura não foi priorizada e o Carnaval não aconteceu. Então, é como se elas quisessem provar que esta cultura está viva – defende o carnavalesco.
Presidente da escola, Richer Kniest concorda:
– Quando foi confirmado que este ano teria Carnaval, a comunidade se agarrou a isso. Eles vêm se esforçando muito mais.
Reinaldo completa:
– Mesmo com todas as dificuldades, o desfile vai ser como tem de ser: alegre, bonito e com muita criatividade.
- Enredo: Em Terras Tinguerreiras, Prevalece a Verdade, Quem Foi Rei Não Perde a Majestade
- Carros: dois ou três carros, a definir, e um tripé