A grade lixada, pintada e reformada há um ano na Avenida Adão Foques já está enferrujada, quase despedaçando. Moradores da Vila Primavera, em Guaíba, apressam-se para mostrar outras evidências de danos a metais na região, como moedas que pretearam e cadeados. O armador de ferragem Osmar Galinski, que mais de 20 anos atrás tomava banho no Arroio Passo Fundo, conta:
— Trabalhei do lado do Arroio Dilúvio por dois anos e 11 meses, onde usava um cadeado que nunca enferrujou. Aqui, em 60 dias, ficou preto.
O prejuízo não para por aí: os vizinhos do Arroio Passo Fundo garantem que geladeiras, TVs, aparelhos de ar-condicionado e outros eletrodomésticos têm vida útil muito mais curta na região.
Esse fenômeno supostamente causado pelo arroio é o principal motivo para os vizinhos acreditarem que existe poluição industrial na água — ainda não foi objeto de nenhum estudo que comprovasse as causas. Embora as análises realizadas pela Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam) em dezembro tenham culpado o esgoto sanitário sem tratamento pela poluição (o mesmo havia sido concluído em relatório de 2015), moradores nunca aceitaram essa explicação.
Questionado sobre a possibilidade de oxidação de metais junto a um arroio poluído, o engenheiro químico Tiago Centurião, gerente administrativo do Instituto de Pesquisas Hidráulicas da UFRGS, afirma que a formação de ambientes lênticos (com água parada) e lóticos (em movimento) altamente oxidativos e a ação de indústrias podem promover, em casos muito específicos, a liberação de gases (como o dióxido de nitrogênio e o dióxido de enxofre), que podem oxidar as superfícies metálicas no entorno no caso da dissipação desses gases ser ineficiente, devido, por exemplo, à pouca ação dos ventos e às questões climáticas.
De acordo com a Fepam, dentre as indústrias localizadas nas proximidades da BR-116, uma delas tem autorização para despejo de efluentes tratados no arroio. Desde 2012, não há flagrante de irregularidades de lançamento — na ocasião, após denúncia de um morador, foi comprovado um transbordamento na bacia de contenção da indústria com lançamento de óleo no arroio.
Vagner Hoffmann, chefe do Departamento de Fiscalização da Fepam, acredita que a corrosão de metais possa ter ligação com liberação de gases a partir da concentração de esgoto sanitário sem tratamento, em razão da retenção desse líquido e de um regime mais lento de degradação na região. O engenheiro químico Juarez Fernando Löff, chefe da Divisão de Fiscalização Ambiental, acrescenta:
— Uma causa importante da exalação de odores pelas águas residuárias domésticas é a geração de sulfetos, principalmente do sulfeto de hidrogênio. A presença desse composto também pode ser responsável pela ocorrência de corrosão.
Moradores reclamam de danos à saúde
As pessoas que moram perto do Passo Fundo estão ficando doentes, denuncia a química ambiental Aline Stolz, coordenadora de um grupo de trabalho formado no Conselho Municipal do Meio Ambiente para tratar do arroio. Segundo ela, há relatos de problemas de pele, respiratórios e danos a unhas e cabelo.
A dona de casa Ondina Ramos de Oliveira, 67 anos, faz nebulização duas vezes por dia, bem como o marido. Além da dificuldade para respirar, sente queimação no estômago e na garganta e, em momentos que o cheiro se intensifica, já chegou a vomitar. Conta que sua neta, que mora com ela, tem asma.
— Minha saúde, a saúde dos meus filhos e do meu velho tão podres. Nós devemos estar estragados por dentro, respirando esse ácido o tempo todo.
A dona de casa queixa-se de não poder pôr a mesa para tomar café com a família — precisa esperar por momentos em que o cheiro alivia para comer. Chegou a colocar a casa à venda, por dois anos.
— Já ofereci por uma merreca, mas não consegui vender — lamenta. — Nossa vida aqui é um inferno, um desespero — acrescenta.