Vinte anos depois de a Ford anunciar que não se instalaria no Rio Grande do Sul, o terreno onde ficaria a multinacional segue com menos de 10% do espaço ocupado. Deve receber a primeira empresa com sede própria em 2019: a distribuidora de produtos para animais domésticos Dasppet, que está saindo de Porto Alegre para uma área maior, de dois hectares.
O local que a Dasppet ocupará em Guaíba equivale a 0,2% do que foi desapropriado pelo governo do Estado para a montadora de veículos — a extensão de 940 hectares equivale a quase mil campos de futebol. Eduardo Lucas, diretor da empresa, projeta a geração de 50 empregos inicialmente e perspectiva de ampliação para até 200:
— Fico feliz de estar ali, porque via o sentimento de frustração de não conseguirem instalar empresas antes. E não foi por falta de interesse, é um processo bem burocrático, principalmente na parte de licenças ambientais. Quando a gente consegue concretizar, é prazeroso. Um sentimento de vitória.
Enquanto a Dasppet prepara o solo com duas retroescavadeiras e um rolo compressor, o restante do terreno onde haveria capacidade para produzir 250 mil veículos por ano (produção informada pela Ford na planta de Camaçari, na Bahia) conta com quase nenhuma construção. Funcionando, de fato, o Centro de Distribuição da Toyota, que não comprou o terreno, e ocupa seis hectares em um contrato de aluguel.
Beto Scalco, assessor especial da prefeitura de Guaíba, atua no município há 35 anos e lembra de quando o acordo com a Ford foi desfeito — segundo ele, por culpa de Olívio Dutra e sua equipe de governo, que não teriam tido vontade política de manter a montadora:
— Eu me lembro, foi uma tristeza estrondosa o que esses caras fizeram.
Em área vizinha à Toyota, uma placa indica a chegada da fabricante de caminhões chinesa Foton, que anunciou instalação na área em 2013, mas conseguiu as licenças para as obras somente em 2017. Da construção, estão visíveis um piso de concreto cercado por estacas, o esqueleto de uma rampa com cerca de cinco metros (semelhante a alça de acesso), uma figueira solitária e mesmo um pequeno cactus, com menos de 50 centímetros, plantado em uma garrafa azul cortada ao meio. O investimento nas obras de fundação do prédio variou entre R$ 8 milhões e R$ 9 milhões, segundo o Executivo municipal. As obras devem ser retomadas no ano que vem, conforme anunciado nesta semana.
O prefeito de Guaíba, José Sperotto, atribui a demora de instalações de novas empresas a dificuldades em conseguir licenças ambientais junto à Fundação Estadual do Meio Ambiente (Fepam).
— Tranca tudo. Tu vais em Estados como Santa Catarina e é obra, obra, obra. Porque não tem Fepam. Não precisa mais ter Fepam — pontua.
O órgão ambiental contrapõem dizendo que, nos últimos quatro anos, houve melhora no atendimento, com a criação de um processo único entre Secretaria do Meio Ambiente (Sema) e Fepam. A assessoria de imprensa afirma ainda que o estoque de processos caiu de 12.752 para 3.556 e que a atual gestão reduziu de 900 para 90 dias a média para obtenção de licenças.
Sperotto fala com orgulho que "desenterrou o sapo" do local, que ficou marcado como uma área que não se desenvolvia e passou anos longe do radar dos investidores. Ainda assim, ele acredita que os guaibenses perderam a autoestima:
— É tão grande o que Guaíba e o Estado perderam. O astral do nosso povo caiu muito.
No debate na corrida ao Senado, em 2014, o ex-governador Olívio Dutra justificou a saída da Ford: segundo ele, benefícios não podem ser exclusivos para as grandes empresas.
— O dinheiro público, sendo escasso, não pode ir para quem tem maior capacidade contribuitiva, grupos poderosos, nacionais ou internacionais. Quem mais precisa são os pequenos, micros, médios empreendedores em todas as áreas. Foi uma medida que me orgulho de ter tomado — afirmou.
Na última semana, a GEFCO, empresa de logística ligada às marcas Peugeot e Citroën, recebeu escritura e licença ambiental para se instalar na área.