Nos pontos de ônibus de Guaíba, não são apenas os coletivos que param para recolher passageiros. O mercado de transporte clandestino da cidade cresceu, principalmente, nos últimos dois anos. O problema é antigo e já foi exposto pelo Diário Gaúcho em 2008 e 2014. Porém, nestas ocasiões, a situação se dava em viagens entre Porto Alegre e Guaíba. Agora, a atividade irregular foi expandida: a cidade também sofre com o transporte ilegal dentro de seus bairros.
Conforme a prefeitura, o serviço é feito por veículos de passeio guiados por pessoas sem licença ou autorização para a exploração desse mercado. O secretário municipal adjunto de mobilidade urbana, Antônio Rodrigues dos Santos, acredita que cerca de 2 mil pessoas utilizam os carros ilegais diariamente. A Expresso Assur, empresa que opera o transporte público em Guaíba, estima que cerca de 30 mil pessoas por mês deixam de usar ônibus para andar nos carros clandestinos.
Os trajetos mais comuns são os que partem dos bairros Cohab, Santa Rita e Primavera até o Centro, onde fica o terminal hidroviário do Catamarã. O trajeto de volta aos bairros, partindo da região central de Guaíba, também é feito. A “tarifa” cobrada pelo clandestinos é de R$ 4, R$ 0,20 a menos do que o preço da passagem de ônibus.
– É desleal. Um ônibus começa o itinerário, saem dois ou três clandestinos junto e limpam as paradas.
As pessoas preferem chegar mais rápido, mas sem segurança nenhuma – aponta o diretor administrativo da Expresso Assur, Juarez Didio. Com a queda no número de passageiros pagantes, Juarez conta que a empresa acaba transportando muitos usuários que não pagam:
– O número de isentos utilizando o transporte chega a quase 40% do total do usuários. É o pagante que custeia essa isenção, que entra no cálculo da tarifa. Se seguir caindo o número de pagantes, como o sistema vai se sustentar?
Usuários
Quem anda nos carros clandestinos parece não ver problemas com o serviço. Dois usuários, que preferiram não se identificar, relatam que o conforto e agilidade valem o risco da ilegalidade:
– Chego em menos tempo, pago menos, vale mais a pena – diz um morador da Cohab.
Sobre a segurança dentro dos veículos, outro usuária, do bairro Santa Rita, relata que não vê problemas:
– Sempre fui tratada com educação e respeito. Por mim, não precisaria existir ônibus em Guaíba.
No terminal no Centro da cidade, os idosos são maioria nas paradas e nos coletivos, principalmente, fora dos horários de pico.
– Eu vou para lá e para cá de ônibus. Não pago passagem, então, para mim, é ótimo – conta o auxiliar de limpeza aposentado Osvaldo Soares Peixoto, 69 anos.
A contabilista aposentada Sulma Duarte, 91 anos, também aproveita o benefício para circular nos ônibus municipais.
– Moro no bairro Santa Rita e ando de ônibus quase todo dia – conta.
“Terminais” de carros nos bairros
O Diário Gaúcho acompanhou a movimentação dos motoristas ilegais pela cidade durante uma manhã, na semana passada. No bairro Santa Rita, por exemplo, eles ficam reunidos nas proximidades de uma escola na Rua Osvaldo Jardim. Dali, partem pelo mesmo trajeto dos coletivos, parando a cada ponto de ônibus e oferecendo o serviço. Algumas pessoas negam, outras acabam entrando nos carros.
Em uma das situações flagradas pela reportagem, um motorista deixou o veículo estacionado próximo à parada e desceu para oferecer o serviço a quem ia chegando.
– As pessoas esquecem do risco que correm ao utilizar esse serviço. Se chega a acontecer um acidente, não terão nenhum tipo de seguro, por exemplo – aponta o secretário adjunto de mobilidade.
Números
A reportagem registrou pelo menos seis veículos fazendo o serviço, sem contar os que estavam parados nos “terminais” clandestinos. Segundo o diretor administrativo da Assur, um levantamento feito pela própria empresa contabilizou ao menos 100 veículos fazendo o transporte irregular pelas ruas da cidade.
– A demanda está tão baixa que colocamos micro-ônibus para fazer alguns trajetos que os veículos maiores fazem. E, mesmo assim, os coletivos seguem perdendo espaço – explica Juarez.
"O problema se espalhou"
O secretário adjunto Antônio Rodrigues dos Santos admitiu que a prefeitura tem dificuldade em fiscalizar a ação dos clandestinos. Segundo ele, “o problema se espalhou de maneira incontrolável”, e o combate é complicado em razão da dificuldade no flagrante das ações:
– Se o carro é parado, as pessoas dizem que estão pegando carona. Fica difícil provar que é ilegal. O código de trânsito é frágil neste sentido.
Conforme Antônio, a prefeitura conta com 16 agentes responsáveis pelo controle e fiscalização do trânsito em toda cidade. O secretário adjunto ressalta que não há um trabalho focado no combate aos irregulares.
– Esses agentes cuidam do trânsito da cidade. No que for possível, eles irão monitorar as atividades irregulares, mas é uma luta complicada – confessa Antônio.
Brigada
Comandante da Brigada Militar (BM) de Guaíba, Eldorado do Sul e região, o major Ari Ferreira explicou que, como Guaíba tem órgão próprio para fiscalização do trânsito, cabe à prefeitura o controle sob o transporte ilegal. A BM age em situações nas quais o apoio é solicitado pelo administração municipal.
– Não podemos atacar os carros que a gente acha que fazem um serviço ilegal. Temos que nos basear em fatos, e quem tem o controle dessas informações é a prefeitura, que possui seus próprios agentes de fiscalização do trânsito – explica o comandante.