O geólogo Rualdo Menegat coleciona histórias de elogios ilustres que o projeto lhe rendeu ao longo dos anos, mundo afora. Mas um gesto o deixa tocado toda vez. Há um desconhecido que, quando cruza com Rualdo pelas ruas do Bom Fim, não se apresenta, não puxa assunto nem nada. Apenas ergue o punho e grita:
— Viva o Atlas!
— Viva! — responde o geólogo, meio atônito.
A lotação e os sorrisos no auditório da Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação da UFRGS (Fabico) são outras evidências do orgulho e carinho que a cidade e o meio acadêmico têm pelo Atlas Ambiental de Porto Alegre, lançado em 1998 e que desde ontem, para celebrar os 20 anos da publicação histórica, ganha uma irretocável versão digital disponível em ufrgs.br/atlas, também recheado de informações e vídeos sobre a iniciativa.
Depois de Porto Alegre, outras 60 metrópoles do porte de Lima, Viena e São Paulo desenvolveram atlas locais. Projeto que custou mais de R$ 600 mil e envolveu mais de 200 profissionais à época, o exemplar porto-alegrense reuniu informações geográficas sobre a capital gaúcha desde antes do homem.
Com informações sobre clima, vegetação, evolução urbana e dados socioeconômicos, entre dezenas de outras, colecionou elogios como o do gestor cultural do Museu Louvre, que chamou a atenção para a forma como o Atlas reunia qualidades "raramente compatíveis" e pela "atenção sensível, quase amorosa, às peculiaridades de um lugar".
Embora se trate de algo particularmente terreno como um atlas, a digitalização é atribuída por uma das coordenadoras do projeto a "uma dessas conjunções cosmológicas". Segundo uma das coordenadoras do projeto, a professora e vice-diretora da Fabico, Ilza Girardi, tudo começou no dia em que a colega Luciana Mielniczuk, a Luti, entrou na sua sala e propôs que as duas unificassem suas disciplinas de Jornalismo Ambiental e de Dados.
Não é apenas um exemplar bonito em cima das nossas mesas. Ele é um livro de combate: que tem uso, que desperta a cidadania, a sociedade, os indivíduos para uma nova perspectiva estética. De um olhar generoso para o lugar em que vive e de sentir responsável por ele.
RUALDO MENEGAT
Geólogo da UFRGS
O projeto de extensão que literalmente tirou o Atlas do papel foi um dos últimos de iniciativa e Ludi, cuja morte repentina em março passado comoveu a UFRGS e deu ao evento de ontem mais um componente de homenagem:
— Tenho certeza que trabalhamos movidos pela energia dela e de que ela está aqui hoje conosco — declarou Ilza.
A digitalização das 238 páginas em um formato que não compromete nem a resolução das imagens (todas disponíveis para download ao toque de um clique) e nem a leveza da navegação foi um trabalho de 10 meses capitaneado pelo Centro de Documentação e Acervo Digital de Pesquisa da UFRGS. A expertise, agora, poderá ser aplicada à outros documentos de difícil digitalização.
Assista, abaixo, a um vídeo sobre o projeto divulgado pela UFRGS.
Uma vez na rede, Rualdo espera que a iniciativa ajuda a resgatar iniciativas como os Laboratórios de Inteligência do Ambiente Urbano (Liau), criados em 1999 a partir de um convênio entre o Instituto de Geociências da UFRGS e da prefeitura à época. Por meio deles, 600 professores e 2,2 mil monitores foram treinados para utilizar o Atlas em sala de aula, auxiliando crianças a compreender e conservar o ambiente a partir do carinho pela localidade onde estão. Na rede municipal, 32 escolas tiveram Liaus, por onde passaram mais de 50 mil estudantes.
Hoje, professores do município reclamam do esvaziamento dos Liaus na atual administração municipal. Um dos motivos pelos quais Rualdo classifica o Atlas como um "livro de combate":
— Não é apenas um exemplar bonito em cima das nossas mesas. Ele é um livro de combate: que tem uso, que desperta a cidadania, a sociedade, os indivíduos para uma nova perspectiva estética. De um olhar generoso para o lugar em que vive e de sentir responsável por ele. Por isso logo se tornou um instrumento de ensino, agora para o mundo.