
Para quem cruza o pesado portão branco que dá acesso ao casarão onde funciona a Ocupação Mulheres Mirabal, na Rua Duque de Caxias, Centro Histórico da Capital, nada mudou: mulheres continuam sendo recebidas — algumas delas encaminhadas pela Delegacia Especial de Atendimento à Mulher —, voluntários seguem circulando e levando doações; volta e meia uma criança surge correndo em algum cômodo da casa. Na noite desta quinta-feira (12), um bolo terminava de ser assado enquanto as coordenadoras do movimento recebiam a imprensa para, em uma entrevista coletiva, comentar a decisão do juiz Oyama Assis Brasil de Moraes, da 7ª Vara Cível do Foro Central de Porto Alegre, que determinou o cumprimento da reintegração de posse do imóvel, concretizando a ameaça de despejo que se iniciou com o fim do prazo para a desocupação, no fim de maio. Reconhecido pelo Ministério Público, e por representantes do governo do Estado, da prefeitura e da Igreja Católica, o trabalho ainda não tem um lugar para continuar.
— A gente vai resistir. Isso que está acontecendo não é responsabilidade nossa. Fizemos tudo o que foi pedido para nos adequarmos às exigências do Estado, entregamos uma carta de aceite do que nos foi oferecido, e só responderam pelo WhatsApp depois do despacho do juiz dizendo que iam fazer o encaminhamento do imóvel à prefeitura. Até lá, vamos ficar onde? — questiona Victoria Chaves, uma das coordenadoras da ocupação.
Em funcionamento desde 2016, a Mirabal é um dos únicos refúgios do município para mulheres vítimas de violência. Além de abrigar nove mulheres e quatro crianças, a casa faz acolhimentos temporários e presta assistência jurídica e psicológica para mulheres — o grupo estima que quase 300 pessoas já tenham sido atendidas. Apesar disso, as negociações para a troca de imóvel estão emperradas: após meses de discussões, somente nesta semana o Estado prometeu encaminhar a transferência de um imóvel para o município, o que deve ocorrer na tarde desta sexta-feira (13). A ideia é que o prédio onde funcionava a Escola Benjamin Constant, na zona norte da Capital, seja repassado ao movimento.
O processo, no entanto, pode ter complicadores. A prefeitura pretende abrir um edital para formalizar a inclusão da Mirabal na rede de proteção à mulher de Porto Alegre, o que levaria meses. Além disso, a nova casa precisaria de uma reforma no telhado antes da mudança, o que exigiria um tempo que já se esgotou até que seja possível a transição. Uma reunião do grupo de trabalho que envolve representantes da ocupação, do governo do Estado e da prefeitura está marcada para esta sexta-feira (13).
— A gente espera que várias coisas sejam esclarecidas nessa reunião. Estão falando em abrir edital para contratar os serviços que a gente presta de graça, coisa que não foi combinada em nenhuma reunião do GT. Os órgãos reconhecem e utilizam nosso trabalho como parte da rede, mas na hora em que precisamos de resposta, recebemos isso — diz Victoria.
No fim de maio, esgotou-se o tempo dado pelos salesianos para que as mulheres entregassem a casa, localizada na Rua Duque de Caxias. Dias antes, a Defensoria Pública pediu a prorrogação do prazo por mais 90 dias e, em 1º de junho, os proprietários solicitaram ao Judiciário que cumprisse a reintegração do imóvel. Em sua decisão em favor dos salesianos, o magistrado destacou que o Estado não é parte na ação de reintegração de posse e, portanto, não teria "legitimidade para intervir" no assunto. Em relação à Defensoria, o juiz disse que "não se colhe dos autos que esteja representando qualquer integrante da invasão".
Confira a nota enviada pela governo do Estado
"O Estado reconhece a importância do trabalho realizado pelo Mulheres Mirabal e, juntamente com o Grupo de Trabalho, vem unindo esforços para que possam receber uma nova sede. Amanhã (13), o Estado concretizará a transferência da Escola Benjamin Constan para o município."