Cristian Benjumea escancarava a felicidade de pisar no gramado do Beira-Rio, em Porto Alegre, neste domingo (3), durante a abertura do segundo dia de competição da Copa dos Refugiados 2018. Mesmo sem poder jogar, já que sua equipe havia sido eliminada na véspera, o goleiro da Colômbia, eufórico, atirou-se no chão poucos minutos depois de entrar no campo, assim como um centroavante que dá peixinhos ao comemorar seus gols. Em seguida, correu para tirar fotos com integrantes da escola Imperadores do Samba, que se apresentou antes das partidas.
— O importante não é a competição. Não sei se teremos outra oportunidade de pisar em um gramado como o do Beira-Rio. Entrei no campo e já aproveitei para me atirar no chão — contou, sorrindo, o colombiano de 29 anos.
O comportamento de Benjumea sintetiza o espírito da Copa dos Refugiados, em sua segunda edição na Capital. Com cerca de 120 jogadores, que representaram oito países, o evento é considerado uma atividade de confraternização e acolhimento a imigrantes. Os resultados dentro de campo ficam em segundo plano.
— O que vale aqui é a integração — resumiu Benjumea.
No campo, o time colombiano foi eliminado nas quartas de final, disputadas no sábado (2) no gramado sintético do Estádio Passo D'Areia. Neste domingo, o Beira-Rio recebeu as semifinais e o jogo decisivo, que terminou com a vitória nas penalidades do Senegal sobre o Líbano, por 3 a 1, depois de um empate por 0 a 0 em dois tempos de 20 minutos. Com o resultado, a equipe africana se tornou bicampeã da Copa dos Refugiados – na edição de 2017, havia conquistado o troféu na Arena do Grêmio.
Assim que a final deste domingo foi encerrada, o senegalês Madawsse Kebe, 34 anos, correu com os companheiros para celebrar o triunfo diante da torcida que se espremia em parte das cadeiras vermelhas do estádio do Inter. Morador de Caxias do Sul, na Serra, Kebe chegou sozinho ao Rio Grande do Sul há quase quatro anos. Na bagagem, trouxe as lembranças dos pais, que morreram por conta de problemas de saúde, e de seus dois irmãos.
— Vim para cá para trabalhar — lembrou o senegalês, que é costureiro de uma empresa na Serra.
Até o fim do ano, ele pretende regressar ao seu país pela primeira vez desde que chegou ao Estado, em 2014. Mas a visita deve ser rápida. Kebe quer seguir a vida em Caxias. O imigrante, hoje habituado à língua portuguesa, acrescenta que não estranha nem mais o frio do inverno serrano.
A exemplo do senegalês, o colombiano Benjumea também planeja continuar no Rio Grande do Sul, onde desembarcou há sete anos em busca de emprego. Morador de Canoas, na Região Metropolitana, apaixonou-se por uma gaúcha, com quem tem uma filha de 11 meses. Hoje, trabalha como camelô em São Leopoldo, no Vale do Sinos.
— Fiquei apaixonado pela cultura gaúcha. Desde que cheguei ao Rio Grande do Sul, retornei só uma vez para a Colômbia. Foi em dezembro. Passei o Natal do ano passado lá — frisou Benjumea.
Entre os imigrantes que calçaram chuteiras no final de semana, ainda estavam aqueles que vieram ao Brasil para tentar alavancar os estudos, como Edson Lopes, nascido em Guiné-Bissau. O imigrante de 30 anos, que trabalha como eletricista em Porto Alegre, ingressou recentemente no curso de Agronomia da UFRGS. A intenção dele é encerrar a graduação e depois retornar ao seu país de origem.
— Como vim para estudar, não quero voltar sem terminar minha formação — reforçou.
Depois de desembarcar no Estado, há uma década, Lopes morou em Rio Grande por três anos. Na região sul do Estado, teve de lidar com uma frustração. Por meio de um convênio universitário, Lopes iniciou o curso de Oceanologia, mas não o concluiu devido a dificuldades financeiras.
Em seguida, mudou-se para a Capital, onde conheceu sua atual companheira – também nascida em Guiné-Bissau – e tornou-se pai. Mesmo habituado ao Rio Grande do Sul, não esconde a saudade de familiares que ficaram em seu país de origem. Desde que veio ao Estado, ainda não conseguiu visitá-los.
— Hoje, pelo menos consigo falar com eles por vídeo. Não é a mesma coisa, mas ficou mais fácil — ponderou.
A Copa dos Refugiados é idealizada pela ONG África do Coração, em conjunto com a Ponto, agência de inovação social. O evento tem apoio institucional da Agência da ONU para Refugiados (Acnur). Além de Colômbia, Guiné-Bissau, Líbano e Senegal, Angola, Haiti, Peru e Venezuela também participaram da segunda edição do torneio.
— O principal destaque da copa é a visibilidade dada à causa dos refugiados. Esse é um tema que muitas vezes fica distante dos brasileiros — sublinhou Rodrigo Vicêncio, sócio-diretor da Ponto.
Em clima de Copa do Mundo, a organização do evento pretende preparar um álbum com figurinhas dos jogadores participantes. A ideia é fornecer, no site da iniciativa, imagens e informações profissionais dos imigrantes.
A Copa dos Refugiados
- A segunda edição Porto Alegre foi disputada, no final de semana, no Beira-Rio e no Passo D'Areia. Em 2017, a decisão do torneio havia ocorrido na Arena do Grêmio.
- Em 2018, equipes de oito países, com cerca de 120 jogadores, participaram: Angola, Colômbia, Guiné-Bissau, Haiti, Líbano, Peru, Senegal e Venezuela.
- O time de Senegal sagrou-se bicampeão da Copa dos Refugiados. Neste domingo, após empate com o Líbano por 0 a 0 em dois tempos de 20 minutos, os africanos venceram por 3 a 1 nas penalidades.
- A competição é idealizada pela ONG África do Coração, em conjunto com a Ponto, agência de inovação social. O evento tem apoio institucional da Agência da ONU para Refugiados (Acnur).