A camiseta é da Seleção Brasileira, com Ronaldinho grafado de ombro a ombro nas costas, e o apelido é Zé Roberto, porque o cabelo lembra o visual adotado pelo lateral do Palmeiras, mas o nome do homem que se articula e grita à margem do campo na Arena do Grêmio é Alix Georges. Ele é haitiano e técnico da equipe do Haiti Porto Alegre na primeira edição da Copa dos Refugiados, campeonato que transformou, neste domingo, a casa gremista num palco para a causa humanitária que envolve pessoas que deixam seus países para buscar uma vida melhor no Brasil.
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Criado há três anos em São Paulo pela ONG África do Coração, o evento aposta no esporte que é paixão nacional como ferramenta de visibilidade e inclusão de refugiados e imigrantes, combatendo preconceitos, xenofobia e falta de informação. O congolês Jean Katumba, fundador da ONG, celebra a chegada do projeto a Porto Alegre, primeira cidade a sediá-lo fora dos limites de São Paulo. Espera que a iniciativa sirva para dar a esses estrangeiros o protagonismo de que tanto precisam.
– Queremos entrar em campo e fazer gol – diz Jean, numa analogia entre o principal objetivo em um jogo de futebol e metas de vida para cada refugiado no Brasil.
A primeira Copa dos Refugiados em Porto Alegre, organizada pela agência de inovação social Ponto, contou com oito equipes e cerca de cem jogadores, alguns deles desportistas em seus países de origem e muitos apenas amantes de futebol. A organização de cada time começou há cerca de seis meses com a ajuda de empresas e entidades apoiadoras.
Por mais que se notasse o empenho em vencer dentro das quatro linhas, quem foi à Arena neste domingo, dentro e fora de campo, comungava de algo mais grandioso do que a taça de um campeonato.
– Queremos mostrar, aproveitando a paixão pelo futebol, que refugiados não são criminosos, não deixaram seus países porque cometeram crimes, deixaram para fugir de problemas, de guerras. O Brasil abre suas portas, mas, muitas vezes, fecha janelas, e a copa quer mostrar que não é só na Europa que existem refugiados. Aqui também, e eles precisam de ajuda – reforça um dos diretores do projeto, Abdulbaset Jarour, sírio de Aleppo que chegou ao Brasil em plena Copa do Mundo de 2014.
– Na época, havia muito medo de que viriam terroristas para o Rio de Janeiro. Havia preconceito com refugiados – lembra.
A Copa dos Refugiados pretende chegar a outras capitais e ampliar as ações para além da promoção de uma partida de futebol, integrando mulheres e crianças refugiadas em outras atividades, sempre com o foco na inclusão social. Neste domingo, alguns serviços, como orientação sobre documentos e exames básicos de saúde, foram oferecidos durante o evento, que integra o calendário da 58ª Semana de Porto Alegre.
Os jogadores que atuaram na Arena, emprestada pelo Grêmio especialmente para o torneio, integrarão um álbum de figurinhas, ao estilo dos colecionáveis da Copa do Mundo, em que serão disponibilizadas informações como currículo profissional e habilidades. Esse material também estará disponível no site do projeto, copadosrefugiados.com.
Torcida internacional na Arena
A torcida que movimentou as arquibancadas da Arena neste domingo ocupou um modesto espaço no mar de cadeiras azuis. O ingresso era um quilo de alimento não perecível, que seria encaminhado a refugiados recém-chegados e atendidos pela Paróquia Nossa Senhora da Pompéia, no bairro Floresta.
Naquela ponta de estádio, o incentivo e a crítica ao que ocorria em campo soavam em francês, português, espanhol e créole. O jogador era torcida, e a torcida, por vezes, jogava junto. A experiência, para muitos, foi a primeira oportunidade de entrar em um estádio de futebol brasileiro.
– Acho que viver um momento assim faz esquecer das dificuldades – filosofava Alix, o Zé Roberto do Haiti Porto Alegre, que chegou à semifinal da Copa.
Os campeões foram os senegaleses do time Coletivo, de Caxias do Sul, e o vice-campeonato ficou com a Colômbia.