Com polêmica garantida e sob pressão do funcionalismo, começa hoje mais uma etapa da cruzada do governo municipal para aprovar projetos que define como essenciais para recuperar as finanças de Porto Alegre. Seis propostas enviadas pelo prefeito Nelson Marchezan — entre elas, a atualização de valores do IPTU — serão apreciadas na Câmara Municipal em regime de urgência. Ainda que os projetos que mudam regras na carreira do funcionalismo tenham ficado para depois do recesso de julho, servidores anunciam também para esta segunda o início de uma greve.
— São projetos que já tinham passado por diálogo no ano passado. Esse debate foi aprofundado. Entidades da sociedade civil foram ouvidas, o Conselho do Orçamento Participativo teve uma posição favorável. Conversamos com todas as bancadas, inclusive do PT e do PSol. A resistência que pode existir será de fundo político. Conversa, não se pode dizer que não teve — defende o vice-prefeito, Gustavo Paim.
Ao que tudo indica, porém, a votação promete discussões árduas no plenário: nenhum dos seis projetos que inauguram a rodada de votações passou pelas comissões da Câmara, uma das principais instâncias de debate antes das votações _ a atualização do IPTU está sendo discutida em uma comissão especial. Primeiro, entrarão em pauta projetos à arrecadação: revisão de benefícios fiscais, criação do Cadastro de Inadimplentes, criação do Comitê Gestor de Parcerias Público-Privadas (PPP), reconhecimento de dívidas consolidadas referentes às despesas de exercícios anteriores e novas regras para fundos público. O último desta leva é também o mais polêmico: a revisão da tabela de valores do IPTU ficou para o final.
— O governo está fazendo muita pressão pela aprovação, mas o (projeto) das PPPs e o do IPTU são ideologicamente mais polêmicos. Os liberais não querem um aumento de IPTU, a esquerda condiciona o aumento à tarifa progressiva e há quem seja contrário a qualquer aumento de carga tributária — sinalizou o presidente da Câmara, Valter Nagelstein.
Marcelo Sgarbossa (PT), vereador de oposição, acredita que há propostas que não devem gerar muita polêmica, como o projeto que dispõe sobre o reconhecimento de dívidas consolidadas. Em contrapartida, além do IPTU, o texto relacionado a fundos públicos deve esbarrar em grande contrariedade.
— Ele cria uma dinâmica de extinção dos fundos — afirma Sgarbossa. — O governo está apresentando esse projeto por conta de uma visão economicista das políticas.
Em razão do caráter de urgência, a pauta da Câmara Municipal ficará trancada até que sejam apreciados todos os projetos do Executivo. Os vereadores terão, ao todo, 11 sessões para tentar dar conta das propostas relativas à arrecadação antes do recesso — o que exigiria, em média, a votação de um projeto a cada duas sessões.
Líder do governo na Câmara, Moisés Barboza (PSDB) diz que está contando que o "bom senso conquiste a maioria dos vereadores indecisos":
— Não existe uma costura de acordos. O que existe é o diálogo incansável para explicar aos vereadores que Porto Alegre está estagnada e não tem outra coisa a se fazer do que enfrentar uma pauta que algumas pessoas acham impopular.
O que será votado antes do recesso
1) Adequação à Lei Federal do ISS: revisão de benefícios fiscais
Prevê que nenhum serviço na cidade tenha alíquota inferior a 2%. É uma adequação à legislação federal (Lei Complementar 157/2016), para evitar guerra fiscal entre municípios.
2) Criação do Cadastro de Inadimplentes Municipal
Projeto divulga na internet os nomes de todos os devedores da prefeitura - inclusive, dívidas não tributárias.
3) Criação do Comitê Gestor de Parcerias Público-Privadas
Autoriza o Executivo a instituir o Fundo de Garantia de Parceria Público-Privada Municipal (FGPPPM).
4) Projeto que dispõe sobre o reconhecimento de dívidas consolidadas referentes às despesas de exercícios anteriores
5) Criação e extinção de fundos públicos, novas regras para movimentação financeira dos atuais fundos e reversão dos saldos financeiros dos fundos ativos e extintos ao Tesouro Municipal
6) Atualização da planta genérica de valores do IPTU
O projeto abrange a reavaliação dos imóveis, redução de alíquotas e simplificação de isenções.
Regime de urgência pedido pelo prefeito é incomum
Há duas décadas, um prefeito de Porto Alegre não pedia diretamente o regime de urgência para um projeto — mecanismo que impede a votação de outros assuntos depois de 45 dias, caso o projeto não tenha sido analisado. Normalmente, quem pede a urgência é o líder do governo, e essa aceleração é votada pelos vereadores. A opção de Marchezan demonstra o alto grau de tensão que tem marcado as relações entre Executivo e Legislativo na atual gestão: sem a certeza da aprovação dos vereadores, o governo resolveu garantir a priorização.
— Há, por parte de um grupo de vereadores de oposição, a ideia de tentar a todo custo adiar a votação de projetos. Optamos pela ferramenta, que é legítima, porque os projetos são necessários e precisam ser votados — justificou o vice-prefeito, Gustavo Paim.
O vereador André Carús (MDB), vice-presidente da comissão que trata do IPTU e vereador do bloco independente, defende a retirada da urgência, especialmente no que se refere ao imposto.
— Isso é atropelar, é cometer os mesmos erros que resultaram na rejeição do projeto ano passado — diz.
Carús destaca que a prefeitura ainda não disponibilizou o simulador do IPTU e que a comissão que trata do assunto na Câmara nem terminou as reuniões com representantes das regiões da cidade — há uma audiência pública prevista para quarta-feira. Depois, a comissão ainda deve elaborar um relatório.