Ponto tradicional de discursos inflamados e protestos, a Esquina Democrática, no centro de Porto Alegre, foi palco para a consagração de uma história de amor na tarde desta quinta-feira (17).
Sob o olhar curioso de centenas de pessoas, que deram uma pausa no vaivém frenético entre a multidão para admirar a cena, um homem e uma mulher transexual casaram-se em uma cerimônia de religião de matriz africana com direito a juras públicas de paixão e lançamento de buquê. O evento foi celebrado em uma das mais célebres esquinas da Capital como forma de marcar o Dia Mundial de Combate à LGBTfobia.
O evento, organizado pela Coordenadoria da Diversidade Sexual da prefeitura, chamou a atenção de quem circulava pelo local e despertou reações variadas. Os estudantes Matheus Antonio, 23 anos, e Ágata Mostardeiro, 24, compareceram ao cruzamento da Andradas com a Borges de Medeiros apenas para acompanhar o casamento.
— É extremamente importante para dar visibilidade a comunidades segregadas, tanto transexuais quanto a religião de matriz africana — sustentou Antonio.
— O lugar é importante também. O fato de ocorrer num local como a Esquina Democrática, num dia mundial de luta, aumenta a discussão sobre o tema — complementou Ágata.
A poucos metros do gazebo montado para a celebração, e a poucos minutos do seu início, João Carlos Gonçalves, 60 anos, desaprovava em voz alta a união entre a transexual Bruna Belém da Barra, 36 anos, e Patrick Souza, 26:
— O fim do mundo está perto mesmo. Acho que aqui vai todo mundo para o inferno.
Nervoso, aguardando a chegada da noiva, Patrick contava que se habituou às reações negativas desde que conheceu Bruna por intermédio do babalorixá Dejair de Ogum — que comandou o casamento — quatro anos atrás em uma festa religiosa em São Leopoldo.
— Sempre enfrentei muita incompreensão, até de amigos e familiares. As pessoas dizem ser tolerantes na frente das câmeras, mas, longe delas, são muito críticas — analisou o noivo.
Patrick encontrou Bruna em uma celebração ocorrida na casa do babalorixá, os dois começaram a conversar e se apaixonaram na hora. Ele havia sido casado por dois anos e diz que jamais se preocupou com o fato de Bruna ser transexual. Deixou isso claro durante a cerimônia comandada por Dejair de Ogum, quando os dois foram convidados a trocar votos sob um tecido branco com a representação de uma pomba — referência ao Pai Oxalá:
— Te amo há quatro anos. Tu sabes disso. Mas, se precisar provar de novo, eu provo.
Em resposta, Bruna declarou:
_ Foi amor à primeira vista. E que esse amor dure até a morte, na riqueza ou na pobreza.
— De preferência, na riqueza — brincou o babalorixá, que entregou as alianças aos noivos sob a bênção de Oxalá e Iemanjá.
O casal se beijou sob aplausos, e Bruna lançou o buquê em pleno centro de Porto Alegre, enquanto ao redor circulavam carros, ônibus e milhares de pessoas. Foi parar nas mãos da estudante Ágata Mostardeiro:
— Tive sorte — comemorou.
Prefeitura encaminhou 12 pessoas para mudança de nome
Além da cerimônia de casamento, em uma parceria entre o município e o Sindicato dos Registradores Públicos do Estado (Sindiregis), a prefeitura realizou um pré-cadastro de travestis e transexuais que têm interesse em retificar o registro civil e mudar de nome - em março, o Supremo Tribunal Federal (STF) entendeu que não é necessário decisão judicial para isso. Somente nesta quinta, 12 pessoas demonstraram interesse e buscaram informações no local. Ao todo, segundo o coordenador da diversidade sexual na Diretoria de Direitos Humanos da prefeitura, Daniel Boeira, 86 pessoas já fizeram o pré-cadastro.
— Por meio de uma minuta elaborada em acordo com o Estado e o Sindiregis, encaminhada para o Conselho Nacional de Justiça, no Rio Grande do Sul foi simplificada a documentação necessária para mudar o registro civil — afirma Boeira.
No Estado, são necessários certidão de nascimento, RG, CPF e título de eleitor. Entidades ligadas ao movimento LGBT criticaram a decisão do município de fazer um cadastro de travestis e transexuais alegando, em nota, que essa medida é desnecessária para providenciar a alteração de nome (basta ir diretamente ao cartório) e demonstrando desconfiança sobre "quais podem ser as utilizações posteriores dos dados".
Boeira sustenta que o objetivo é orientar os interessados e conhecer melhor a demanda a ser atendida:
— Como fazer política pública sem ter um mapeamento da população envolvida? Como não existe esse tipo de dado, chamamos a responsabilidade para nós. Além disso, as informações são protegidas por sigilo.