Quando o baiano João Weckerle, 19 anos, contou para a avó que moraria dentro de um contêiner em Porto Alegre, não recebeu grande incentivo. Na verdade, as palavras da dona Liselotte foram algo como:
— Tá ficando maluco, rapaz?
O jovem que chegou de Salvador para estudar Astrofísica na UFRGS encontrou na internet fotos do condomínio de quitinetes inusitado, localizado no bairro São José. Fechou contrato sem nem ver o lugar pessoalmente — e não se arrependeu.
João mora há um ano no apartamento de 14 metros quadrados, que ocupa metade de um contêiner de 40 pés. No começo, tinha uma sensação de claustrofobia, que passou rápido. Hoje até aprecia "comodidades" como andar só três passos para chegar ao banheiro ou virar a tela do computador para estudar na cama mesmo. E jura que já recebeu até cinco amigos para jogar Fifa no seu Xbox, acomodados em cadeiras de praia entre a cama e a pia da cozinha.
Acumuladores não se dariam muito bem no espaço, mas João faz mais o perfil desapegado. Um dos motivos para optar pelo imóvel foi já contar com chuveiro, guarda-roupas, cama, escrivaninha e uma microcozinha, tudo sob medida. A disposição dos móveis otimiza o uso do espaço. A cama, por exemplo, é cercada por um baú e fica sobre um sapateiro. O estudante também não se acanha em improvisar: o suporte que seria para a TV (que não faz questão de ter) serve como cabideiro, e a mala mal pode ser percebida sobre o armário da cozinha.
O jovem não tem o costume de cozinhar (afinal o preço do restaurante universitário para alunos é R$ 1,30). Mas tem micro-ondas no quarto e comprou uma sanduicheira para quando bater a fome.
Em área comum, há um fogão e churrasqueira, que nas últimas semanas João usou duas vezes com os vizinhos — como ele, tem muita gente de outros Estados, como Piauí, Florianópolis, Paraná, Rio Grande do Norte e São Paulo. No condomínio, há ainda piscina, uma pequena horta e lavanderia compartilhadas.
Mas a pergunta que João mais ouve quando conta que mora em um condomínio de contêineres é sobre a temperatura. O calor não seria problema para o baiano, que torceu o nariz para a brisa fresquinha da manhã desta quarta-feira (21). Mas ele garante que o condomínio onde mora também é confortável nesse aspecto.
— É bem arejado e tem ar-condicionado — aponta.
Para fazer o isolamento termoacústico nas quitinetes, há uma camada de lã de pet ou lã de rocha entre as chapas do contêiner e o revestimento interno (feito de MDF ou PVC). O isolamento é reforçado no telhado, com telhas de aluzinco recheadas com espuma de poliuretano.
Quitinetes custaram R$ 25 mil cada
A inspiração para o empreendimento na Rua Vidal de Negreiros, denominado Tchê Suítes, veio da Europa. Mário César Lobo, 59 anos, e Lígia Saldanha, 58 anos, foram até Amseterdã para conhecer um condomínio que tem mais de mil apartamentos dentro de contêineres, e construíram em 2015 próximo à PUCRS, para atender especialmente estudantes.
Lobo explica que trabalhar com contêineres é mais rápido e mais barato. Em comparação com alvenaria, estima ter economizado 30%. Cada uma das 16 quitinetes de 14 metros quadrados, montados em oito contêineres marítimos de 12 metros de comprimento, custou aproximadamente R$ 25 mil, contando os móveis. No ano passado, o casal também construiu quatro quitinetes maiores, de 28 metros quadrados, que demandam um contêiner cada.
O consultor de marketing Leandro Manique, 34 anos, é um dos inquilinos das unidades "grandes". Ele já sabia da tendência de montar restaurantes e lojas dentro das caixas de metal. No Rio Grande do Sul, até mesmo escolas foram instaladas em contêineres, decisão que gerou polêmica. Mas foi a primeira vez que ouvia falar em morar dentro delas. Ele relata que, com os cuidados tomados pelo casal de empreendedores, residir em um contêiner não tem diferenças para outros materiais. Mas para os amigos acreditarem, só vendo pessoalmente.
— Eles imaginavam que eu estava passando trabalho — ri.
Atualmente, todas as quitinetes do condomínio estão ocupadas. Os proprietários contam que, no meio ou final do ano, chegam a receber 20 pedidos por dia — o Tchê Suítes não trabalha com lista de espera. O objetivo do casal é construir mais quatro apartamentos no próximo ano.
Lígia não esconde o orgulho de transformar "caixas de lata" em moradias — que, com condomínio, água e internet, custam a partir de R$ 890 por mês.
— E esses contêineres já andaram o mundo — acrescenta o marido.