Cinco anos foi o tempo necessário para construir a célebre estátua do Cristo Redentor, no Rio de Janeiro, com 38 metros e mais de mil toneladas, ou mais do que o suficiente para erguer a ponte Golden Gate, nos Estados Unidos, com 2,7 quilômetros de extensão e 227 metros de altura.
Em Porto Alegre, a burocracia que envolve prefeitura, permissionários, Ministério Público e Justiça faz com que a demora para reabrir todo o segundo andar do Mercado Público, parcialmente incendiado em 2013, já chegue perto dessa marca — ainda sem prazo certo para acabar.
O que impede a reabertura é a falta de estruturas contra incêndio, orçadas em R$ 1,5 milhão, que o município não instalou alegando falta de verbas. Lojistas do Mercado se dispuseram a fazer por conta própria as obras, mas isso depende da homologação na Justiça de um acordo com a prefeitura. A audiência havia sido marcada para dezembro passado, foi adiada e está prevista para 5 de março.
A reforma da estrutura queimada foi concluída no começo de 2017, mas a lentidão da prefeitura para cumprir normas da legislação anti-incêndio mantém o espaço interditado. Em razão desse impasse, os permissionários se dispuseram a fazer por conta própria as obras previstas no Plano de Prevenção e Proteção Contra Incêndio (PPCI), que incluem a adequação de duas escadas rolantes, instalação de mais duas escadarias metálicas e a implantação de um reservatório de 36 mil litros de água.
— Já temos recurso em caixa para a primeira fase do projeto, que a colocação das escadarias fixas. Para o restante, cada lojista já se dispôs a contratar financiamentos individuais — afirma a diretora da Associação dos Permissionários, Adriana Kauer.
Os comerciantes e a prefeitura assinaram um acordo sobre a transferência de responsabilidade, mas esse acerto precisa ser respaldado pelo Ministério Público (MP) e homologado na Justiça para ter validade. Essa tramitação é necessária porque a prefeitura deixou de cumprir sucessivos prazos acordados com o MP nos últimos anos para implantar as melhorias. Um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) foi assinado em agosto de 2013 e prorrogado duas vezes por descumprimento das datas combinadas: fevereiro de 2014 e setembro de 2015.
Como os prazos venceram e o Mercado não foi reentregue à cidade por inteiro, o MP entrou com uma ação na Justiça para obrigar o município a cumprir com suas obrigações e fazer as adequações exigidas. O fato de esse processo estar tramitando obriga que a transferência da responsabilidade pelas obras do PPCI para os permissionários seja analisada pelos promotores e confirmada pela Justiça na audiência de conciliação de 5 de março, na 3ª Vara da Fazenda Pública.
— Nessa audiência, vamos ver o que o município apresenta em termos de cronograma e garantias. Até como cidadão, tenho muita expectativa de que todos cheguem a um bom termo, e a comunidade possa receber o segundo piso do Mercado de volta — afirma o promotor de Justiça da Promotoria de Justiça de Habitação e Defesa da Ordem Urbanística, Heriberto Maciel.
Adriana Kauer garante que, se o acordo for homologado, as obras poderiam começar em questão de dias. Duas empresas já foram pré-selecionadas por capacidade técnica e preços. Não foi informado, porém, quanto tempo durariam as obras há tanto tempo aguardadas no Mercado Público de Porto Alegre.
Município aguarda verba federal para outras melhorias
Além de contar com recursos dos permissionários para tocar as obras contra incêndio no Mercado Público, a prefeitura de Porto Alegre aguarda o repasse de R$ 9,9 milhões do governo federal via Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) para outras melhorias no local.
Segundo a Secretaria Municipal da Cultura, o município concluiu um projeto de recuperação estrutural e encaminhou para análise do Iphan em Brasília. Foram feitas solicitações de ajustes e, no momento, a prefeitura providencia as mudanças necessárias para reencaminhar os documentos para Brasília. Não foi informado prazo para que isso ocorra. A assessoria de comunicação do Iphan informou que esses pedidos de adaptações são comuns, para atender requisitos técnicos ou econômicos, e evitam que interrupções posteriores da obra.
_ Esse dinheiro não vai concluir totalmente o que precisa ser feito no Mercado, mas permitiria avançar bastante _ afirma o coordenador da Memória Cultural, Eduardo Hahn.
Somente após a aprovação final do projeto pelo Iphan o recurso poderá ser liberado. Como o dinheiro para implantar as exigências do PPCI será bancado pelos permissionários, o recurso federal deverá ser destinado para reformas de estruturas como instalações elétricas, de esgoto e hidrossanitárias.
Cinco anos sem o segundo andar
Julho de 2013 - Um incêndio de grandes proporções atinge o Mercado Público em razão de um curto-circuito. Parte do segundo piso é consumida pelas chamas, o que leva à interdição do prédio.
Agosto de 2013 - Passados 38 dias do incêndio, o andar térreo é reaberto à população. Um acordo é assinado com o MP e prevê uma série de cláusulas a serem cumpridas, em etapas, para a recuperação e reabertura total do prédio.
Fevereiro de 2014 - O Termo de Ajustamento de Conduta firmado entre município e MP é prorrogado para dar mais prazo à prefeitura a fim de cumprir todos os requisitos.
Outubro de 2014 - Uma das primeiras promessas previa a entrega do prédio até esta data, mas o prazo não é suficiente.
Setembro de 2015 - Mais uma vez, o município não consegue cumprir todas as cláusulas combinadas com o MP para reabrir todas as áreas do Mercado. O acordo é prorrogado por mais um ano.
Outubro de 2015 - O Mercado celebra 146 anos ainda em obras e sem prazo para conclusão dos trabalhos. Um dos maiores impasses foi localizar modelos de telhas semelhantes aos originais.
Setembro de 2016 - O prazo da segunda prorrogação do TAC firmado com o Ministério Público se esgota sem que a prefeitura consiga concluir todas as obras no Mercado — para reabrir o segundo piso, é preciso adequar o prédio à legislação contra incêndio, com obras em escadarias e no sistema hidráulico.
Fevereiro de 2018 - Permissionários e prefeitura aguardam homologação judicial para que os comerciantes façam as obras de adequação à lei contra incêndio. Data de audiência na Justiça é marcada para 5 de março.