Reduzir os congestionamentos e melhorar o cotidiano de quem vive nas cidades passa por uma palavra e sua aplicação em diversas áreas: compartilhamento. Desde o uso de diferentes modais de transporte de forma complementar até a divisão de responsabilidades entre poder público, setor privado, academia e cidadãos. Essa é uma das conclusões tiradas a partir do 1º Fórum de Mobilidade Urbana, realizado pelo Estadão, nesta terça-feira (5), em São Paulo.
Ao operar com plataformas digitais, os aplicativos de transportes privado e público criam uma base de dados que reflete o comportamento de seus usuários e, por consequência, o cenário enfrentado por uma fatia relevante da população. Seja por computar a velocidade dos veículos indicando os horários e locais de congestionamento, seja por registrar atrasos e acidentes.
Para melhorar o dia a dia das cidades, avaliaram participantes dos debates, o desafio é colocar essas informações a serviço da gestão e do planejamento de trânsito. A prefeitura de Porto Alegre, por exemplo, lançou um chamamento público para estabelecer acordos de cooperação técnica que possibilitem utilizar dados gerados por transporte individual para embasar ações (as inscrições estão abertas).
— Temos uma riqueza enorme de dados e estamos trabalhando com o poder público para a redução dos congestionamentos e para segurança viária — afirma Ana Guerrini, chefe de Políticas Públicas e Pesquisa da 99, startup patrocinadora do evento.
A prefeitura de São Paulo já consolidou o caminho inverso: disponibiliza informações geradas pelo GPS do transporte coletivo para que empresas desenvolvam ferramentas que ajudem as pessoas a se locomoverem — o secretário de Mobilidade e Transporte da capital paulista, Sérgio Avelleda, afirma que há cerca de 40 aplicativos utilizando o recurso.
Do tempo real à segurança viária
Entre as possibilidades que os apps podem oferecer aos gestores das cidades, estão mapas gerados por estatísticas indicando locais em que o trânsito fica mais carregado nos horários de pico e de zonas que concentram pessoas em festas à noite. Este último é um indicativo de que pode haver motoristas ingerindo bebida alcoólica, informação importante para orientar políticas de conscientização e fiscalização.
Paulo Cabral, líder de crescimento para América Latina do Waze, exemplifica como a tecnologia facilita a colaboração: os usuários do aplicativo informam a plataforma sobre problemas no trajeto, como acidentes, e a ferramenta alerta os motoristas de que determinado caminho pode não ser uma boa opção. É uma troca cotidiana, mas também baseia intervenções mais amplas. Cabral cita o caso de Boston (EUA), que usou a base do Waze para ajustar os tempos dos semáforos.
— O Waze ajuda a distribuir o trânsito — sintetiza.
Cidades pensadas para carros
Não só fornecer dados, mas também criar cenários nos quais se possa “compartilhar o meio de transporte e combinar mais de um meio”, como defende a cientista política e ex-prefeita de Santiago (Chile) Carolina Tohá, são propostas para resolver o problema de as cidades terem sido desenhadas para carros individuais. O resultado — um trânsito em que as pessoas deixam boa parte do seu tempo livre — é ruim para o motorista, para o pedestre e para o usuário do transporte público, ao qual é destinado um espaço desproporcional à quantidade de gente que ele transporta.
Além de aumentar o tempo dos deslocamentos ao colocar mais veículos nas vias, a cultura do carro individual impacta na saúde das pessoas: sedentarismo, ar mais poluído e maior risco de acidentes, analisa o diretor do WRI Brasil Cidades Sustentáveis, Luis Antonio Lindau.
O especialista chama atenção para soluções que passem pela participação das pessoas, como previsto pela Política Nacional de Mobilidade Urbana, legislação federal em vigor desde 2012. E defende, para um trânsito mais seguro, a redução da velocidade máxima permitida. A medida, porém, enfrenta resistência de motoristas, que teriam de abrir mão da permissão para acelerar mais.
— Estamos numa lógica inversa do resto do mundo — salienta Lindau ao dizer que, em outros países, baixar o limite é uma demanda da população.
*O jornalista viajou a São Paulo a convite da 99