Considerada referência nacional em coleta seletiva, Porto Alegre enfrenta falta de matéria-prima nos galpões de reciclagem. O problema, que tem reflexo social ao atingir centenas de famílias, estaria relacionado à atividade clandestina de recolhimento de lixo seco nas ruas da cidade. O assunto foi discutido no início de novembro na Comissão de Saúde e Meio Ambiente (Cosmam) da Câmara Municipal.
Coordenador do Fórum de Unidades de Triagem, Antonio Matos explica que caminhões que não estão a serviço do Executivo passam nos horários e locais voltados à coleta seletiva e recolhem os resíduos antes de as equipes ligadas ao Departamento Municipal de Limpeza Urbana (DMLU):
— Há um processo em Porto Alegre de desvio de carga. Não estou falando dos catadores que mexem no lixo. Esses são vítimas também. Mas de caminhões que vão lá e recolhem o material.
A presidente da Cootravipa, cooperativa que presta o serviço à prefeitura, Imanjara Marques de Paula, vai além: diz que "uma máfia se criou".
— Eles têm caminhões e andam armados. As pessoas que presenciam esses casos se sentem intimidadas, já que pegam sempre a mesma rota de coleta — relata, explicando o porquê de não serem registrados boletins de ocorrência na Polícia Civil.
Matos usa a Cooperativa de Trabalho e Reciclagem do Campo da Tuca como exemplo do reflexo na queda de resíduos recebidos nos galpões: segundo ele, o número de pessoas trabalhando no local caiu de 56 no ano passado para 33 — uma variação negativa de 41%. O DMLU, apesar de não ter o dado consolidado, afirma que a redução é uma realidade.
— Final de ano costumava ser uma época em que a quantidade de matérias-primas aumentavam nas unidades de triagens, já que as pessoas recebem o 13º e gastam mais. Só que, neste ano, não está sendo assim — lamenta Matos.
O debate na Cosmam tratou de alternativas para o problema. Uma sugestão foi mudar legislação para criminalizar a prática e proibir pessoas físicas de comercializarem resíduos — atualmente, os resíduos podem ser vendidos, mas, no memento em que são deixados na rua para a coleta, passam a ser do poder público. A medida mais fácil, no entanto, seria apostar na fiscalização.
— Essa atividade clandestina só pode ser combatida com fiscalização permanente e não esporádica. É necessário manter uma regularidade de ações sobre veículos e depósitos que funcionam sem licença ambiental e sem autorização da prefeitura — opina o vereador André Carús (PMDB), presidente da comissão e diretor-geral do DMLU na gestão de José Fortunati.
De acordo com o secretário de Serviços Urbanos, Ramiro Rosário, as ações de fiscalização aumentaram no último ano — segundo ele, já foram cerca de R$ 2,5 milhões em autuações por infrações ao Código Municipal de Limpeza Urbana. O secretário salienta que, em novembro, começaram a ser realizadas abordagens em parceria com a Brigada Militar:
— A Brigada Militar, com os fiscais do DMLU (são 20, no total), fazem blitz itinerante indo nos pontos que terão coletiva seletiva naquele dia. Tem muitos casos antigos, quando a fiscalização do DMLU era feita de forma isolada, que agentes recebiam ameaças e xingamentos.
No momento da abordagem, a BM fica responsável por olhar as condições e os documentos do veículo, enquanto a equipe da prefeitura autua com base no Código Municipal de Limpeza Urbana, além de cuidar de questões práticas como transferir os materiais recicláveis recolhidos para as unidades de triagem.
— (Com a coleta clandestina), tu acabas prejudicando toda uma cadeia do lixo. Prejudicas pessoas que estão regularizadas, que se uniram em cooperativas, em associações, que trabalham de uma forma séria — afirma, acrescentando que o município também tem prejuízo, já que paga pelo serviço de coleta e destina recursos às unidades de triagem.
Sobre o relato de ameaças a trabalhadores, o DMLU ressalta que as tentativas de intimidação têm sido eventuais nos três anos e meio de aplicação do Código Municipal de Limpeza Urbana: "Os casos pontuais não progridem para ameaças maiores do que verbais, visto que o agressor pode ser identificado pela placa do veículo", diz o órgão em nota.
Como funciona o serviço
- Por meio da coleta seletiva, a Cootravipa recolhe os resíduos sólidos reaproveitáveis e leva para 17 unidades conveniadas. Nesses locais, os trabalhadores fazem a separação, prensam, agrupam em fardos e vendem. O DMLU estima que as unidades de triagem geram emprego e renda para cerca de 700 famílias.
- Das 1,2 mil toneladas de resíduos domiciliares recolhidas pelo DMLU, por volta de 70 a 100 vão para unidades de triagem por meio da coleta seletiva. O restante é formado por resíduos orgânicos, rejeitos e recicláveis misturados na coleta domiciliar.
- Conforme o departamento, diariamente são aterradas cerca de 260 toneladas de resíduos recicláveis. A falta da separação correta dos resíduos nas residências, além de gerar menos matéria-prima para as unidades, também acarreta aproximadamente R$ 9 milhões de prejuízo aos cofres públicos ao ano.
- Os dias e horários da coleta seletiva podem ser consultados aqui.
Onde denunciar
- No caso de constatação de atividade clandestina, a população pode auxiliar o fiscal com o envio de fotos e vídeos. Também há a opção de efetuar a denúncia de forma sigilosa. Quando a situação é identificada como irregular, a infração é considerada gravíssima, com multa de R$ 5.623,49.