Duas décadas depois de receber um terreno da prefeitura para sua instalação, começa a funcionar nesta sexta-feira o Memorial a Luiz Carlos Prestes. Desenhado por Oscar Niemeyer, o centro cultural junto ao Guaíba entrou na rota de polarização do debate político de Porto Alegre: no domingo passado, integrantes do Movimento Brasil Livre (MBL) organizaram um protesto em frente ao prédio e, na quarta-feira, a Câmara Municipal se dividiu a respeito de um projeto do vereador Wambert Di Lorenzo (Pros) que pretendia mudar a destinação do imóvel — a matéria acabou rejeitada por 19 votos a 13.
Apesar de o político comunista e líder da Coluna Prestes nunca ter sido unanimidade, o debate acalorado em torno da primeira obra de Niemeyer na Capital é relativamente recente. Quase três décadas atrás, quando foi aprovada pelos vereadores, a doação de um terreno para prestar láureas ao militar e político gaúcho foi apenas um projeto como tantos outros votados na Capital. Em 2008, quando o Executivo firmou acordo com a Federação Gaúcha de Futebol (FGF) para custear a construção do prédio, tampouco o assunto causou comoção: não se ouviu ruído sobre a decisão dos parlamentares de cederem parte do terreno à FGF como contrapartida para o prédio sair do papel.
— Quando o Prestes faleceu (em 1990), fui procurado por um grupo que tinha a ideia de homenageá-lo. Considerei justa a reivindicação e fiz o projeto. Na época houve votos contrários, senão me engano, de uma bancada só. Mas se fazia política de uma maneira mais civilizada. Hoje, estamos em um contexto de ódio e controle. Existe essa direita raivosa representada por esse MBL e outros grupelhos que se dizem democratas, mas não respeitam quem pensa diferente — conta o ex-vereador Vieira da Cunha, autor do projeto.
À época da aprovação da lei que destinou o terreno à homenagem, o então parlamentar do PDT foi ao encontro de Niemeyer, amigo de Prestes, e pediu um projeto para o Memorial. Foi prontamente atendido: Niemeyer não apenas elaborou o projeto da área de 700 metros quadrados, marcado pelas curvas que fizeram a fama de várias de suas obras, como doou o documento à Capital.
As primeiras manifestações contrárias ocorreram em 2014, quando, em frente ao prédio já concluído, um grupo organizou um protesto contra o comunismo, fixando cartazes e faixas que pediam a derrubada da construção. A questão voltou à pauta neste ano, quando foi divulgada a data de inauguração do memorial, que abrigará um museu que conta a trajetória de Prestes, nascido em Porto Alegre, e um ambiente para exposições itinerantes. Além de uma série de postagens na página do MBL criticando a iniciativa e convocando para o ato do último domingo, que reuniu algumas dezenas na frente do memorial, o vereador Wambert Di Lorenzo enviou à Câmara um projeto que propunha um novo destino ao imóvel, tornando-o sede do Museu do Povo Negro — proposta que foi rejeitada pelos vereadores. Apesar da derrota, Wambert acredita que o assunto voltou à tona porque a Câmara Municipal está promovendo debates ideológicos mais elevados e analisando as pautas de forma mais plural.
— O Prestes é um assassino, um traidor, um homem que entrou em conluio com a força estrangeira contra o Brasil. Não há atitude cívica que autorize moralmente esse homem a ser homenageado. Isso autorizaria os nazistas, que mataram um terço do que os comunistas mataram, a ter um monumento em Porto Alegre. É um acinte — argumenta o parlamentar.
O contexto político em que se deu a aprovação da homenagem a Luiz Carlos Prestes, que aderiu à ideologia comunista após o exílio na Bolívia, no fim da década de 1920, de fato, era diferente do atual. O projeto de Vieira da Cunha foi aprovado durante a gestão do petista Olívio Dutra, em uma época em que a esquerda prosperava em Porto Alegre, e sempre foi visto com entusiasmo pelos políticos do PDT, partido do qual Prestes foi presidente de honra. Apesar disso, na visão da direção do Memorial, a rejeição de parte da população se deve à movimentação de grupos específicos, com inclinações "nazifascistas".
— Já não é nem a questão ideológica: o que a gente vê é uma absurda negação e distorção da história. Mas não temos nenhuma preocupação com os inimigos da cultura, inimigos do humanismo. Isso não haverá no museu, que será uma casa viva e livre. Nossa briga com eles é intelectual — disse o diretor do memorial, Jorge Garcia.
Se para alguns dos críticos de Prestes a ideia de homenagear o comunista gaúcho parece absurda, estudiosos de história e política nacional acreditam que há espaço para um memorial desse tipo na Capital. Segundo eles, apesar da atuação controversa — há relatos de violência em lugares por onde passou a Coluna Prestes, e a adesão do político à ideologia comunista não foi vista com bons olhos por alguns setores da sociedade —, o porto-alegrense teve papel importante como contestador da estrutura política vigente à época da primeira república.
— Naquele momento, ele não era um comunista. Era um militar com ideias próprios, um crítico. Tem uma importância como um contestador da estrutura política do Brasil daquela época, e encontrou canais pelos quais ele se rebelou contra isso. Depois do exílio da Bolívia é que ele opta pelo comunismo, divergindo do movimento, que se encaminhou para a revolução de 1930 — explica a professora do programa de pós-graduação em História da Unisinos Eloisa Capovilla.
Para o professor do departamento de Ciência Política da UFRGS Luís Gustavo Grohmann, as manifestações contrárias ao memorial não mostram respaldo na história. Ele acredita que os grupos que criticam o monumento querem apenas "chamar a atenção para si".
— Não há mérito nessa discussão. Até se pode fazer uma crítica ao posicionamento, mas o que está sendo feito é propaganda ideológica — avalia.
A programação de abertura
Sexta-feira
19h
Palestra do cineasta Silvio Tendler
Sábado
14h
Programação de debates, música ao vivo e discursos de lideranças políticas e intelectuais de esquerda de diferentes países da América Latina
19h
Evento oficial de abertura. A solenidade deve contar com a participação de autoridades. Convidados pela organização do evento, o prefeito Nelson Marchezan e o governador José Ivo Sartori não haviam confirmado presença até a publicação da reportagem.