Resultado de 16 horas de discussões na Câmara Municipal, a rejeição da revisão do cálculo do IPTU em Porto Alegre — mais recente de uma série de revezes da gestão Nelson Marchezan junto aos vereadores —, no começo da madrugada de quinta-feira, somou complicadores de diferentes origens, na avaliação dos líderes das bancadas. Para integrantes de partidos da base, independentes e de oposição, a derrota expressiva (25 votos contrários, 10 favoráveis e uma abstenção), se deve, principalmente, a três fatores: falta de diálogo com parlamentares e comunidade, pouca transparência na exposição do impacto da proposta e pressa em aprovar o projeto.
Os problemas prévios à votação afugentaram, além da oposição — que aprovava alguns pontos do projeto — e vereadores independentes, parte da base aliada. Somente no PP, três dos quatro vereadores rejeitaram o projeto da prefeitura.
— Nós, do PP, promovemos a vitória do Marchezan. Trabalhamos arduamente, e me lembro muito bem que, em nenhum momento, foi falado em aumentar impostos. A impressão que me dá é de que a fala dos vereadores não tem peso. Somos bem recebidos, as reuniões acontecem, mas saímos com a sensação de que não adiantou nada — justificou a líder da bancada do PP, Mônica Leal.
O revés provocou críticas do prefeito, que, prevendo a derrota, se manifestou em vídeos nas redes sociais contra a postura dos legisladores. Uma gravação feita antes da votação foi especialmente mal vista pelos parlamentares, que a assistiram durante a sessão, exibida pelo ex-líder do governo Clàudio Janta (SD): nela, o chefe do Executivo sugeria que os vereadores estavam discutindo a proposta a partir de interesses pessoais.
— Ele fez um projeto no afogadilho, em 30 dias, e nós até fizemos comissão conjunta, sessão extraordinária, audiência pública em tempo recorde, tudo o que a gente pode fazer para ajudar. Mas ele é injusto com a Câmara. Poderia ter aprovado se fosse mais humilde — avaliou o ex-líder nesta sexta-feira.
Se as justificativas de cada bancada para votar contra o projeto do Executivo variaram, a observação das falhas no processo que culminou em derrota na sessão de quinta-feira são compartilhadas por representantes de diferentes vertentes ideológicas. Para o líder da bancada do PSOL, que também destacou o ritmo apressado e a falta de diálogo com vereadores e comunidade como entraves à aprovação da proposta de Marchezan, a falta de transparência foi um ponto determinante.
— A ideia em si, de ter uma alíquota progressiva, é boa. Mas fizemos uma análise por amostragem para analisar o impacto real, e percebemos que onde moram os trabalhadores humildes, como a Bom Jesus, o impacto seria muito grande. Não podíamos aceitar que isso fosse aprovado com o nosso apoio. O executivo precisa governar com a cidade, não com as ideias que acha mais convenientes — justificou Alex Fraga.
Na proposta do Executivo, constavam a reavaliação do valor dos imóveis e a aplicação de uma alíquota progressiva, com o argumento de fazer "justiça fiscal e tributária". Entre os mais de 745 mil imóveis da cidade, a estimativa era de aumento no valor do tributo em 59% dos casos, redução em 19% e isenção para 22% das matrículas. Para o líder do governo, Moisés Barboza (PSDB), a derrota se deu em função de uma premissa "mentirosa":
— Os que defendiam a derrubada conseguiram colar o rótulo mentiroso de que era um projeto de aumento de impostos, sendo que ele visava à justiça tributária. A base teve alguns vereadores que compraram essa ideia. Os vereadores perderam a oportunidade de fazer justiça tributária, promovendo a continuação de uma das mais injustas e distorcidas plantas de valores do país.
O que dizem os líderes das bancadas
Mônica Leal
PP - 4 vereadores - base aliada
"A impressão que me dá é que a fala dos vereadores não tem peso. Somos bem recebidos, as reuniões acontecem, mas saímos com a sensação de que não adiantou nada. O prefeito não pode andar na linha transversa dos legisladores. Fico muito preocupada com as manifestações dele nas redes sociais: qualquer coisa ele vai lá e grava um vídeo, agride os vereadores. São coisas muito agressivas, que não levam a nada. Se não houver uma mudança nesse aspecto, acho que vai haver sérios problemas no futuro. Nós, do PP, promovemos a vitória do Marchezan. E me lembro muito bem em que nenhum momento foi falado em aumentar impostos."
Moisés Barboza
PSDB - 1 vereador - base aliada
"Os que defendiam a derrubada conseguiram colar o rótulo mentiroso de que era um projeto de aumento de impostos, sendo que ele visava à justiça tributária. A base teve alguns vereadores que compraram essa ideia. É legítimo que um vereador que representa áreas da cidade que são extremamente bem valorizadas defenda o seu público. Não dá é para generalizar e omitir a verdade. Há reivindicações que não são injustas, mas promovem injustiças. O governo Marchezan é um governo com um ritmo diferenciado, mais Executivo, o que é novo nas relações de poder na Capital. Ele tem um posicionamento de não deixar de mandar pra Câmara por ser impopular, e fez o que disse que faria: está enviando, no primeiro ano de mandato, todos os projetos."
Alex Fraga
PSOL - 3 vereadores - oposição
"A votação de ontem expressou o perfil autoritário e sem diálogo do prefeito. Se ele tivesse ido às comunidades, conversado com vereadores, com associações de moradores, poderia ter aprovado o projeto. A ideia de ter uma alíquota progressiva é boa, é positiva para a cidade. Mas a falta de diálogo, de transparência e a necessidade em fazer a toque de caixa prejudicaram. Fizemos uma análise por amostragem e percebemos que onde moram os trabalhadores humildes, como a Bom Jesus, por exemplo, o impacto seria muito grande. Não podíamos aceitar que isso fosse aprovado com o nosso apoio. O perfil autoritário do prefeito, de arrumar briga e ter dificuldade em dialogar, tentar compor, não funciona. Essa dificuldade de ouvir críticas e de construir com críticas gera a crise que o governo está tendo."
Sofia Cavedon
PT - 4 vereadores - oposição
"Havia uma contradição do prefeito em relação ao seu projeto ideológico, e isso fez com que o projeto fosse derrotado. Colocamos duas emendas que avançavam na progressividade: propusemos ampliar, buscando uma contribuição maior nos imóveis mais caros e um IPTU progressivo para os desocupados. Essas emendas eram determinantes para votarmos a favor do projeto, mas elas foram derrotadas. O debate e o Orçamento Participativo, que foi suspenso, poderiam ter sido utilizados para ajudar a Câmara a refletir. Se a proposta tivesse sido dialogada com a cidade, poderia ter sido diferente. Mas também aí o prefeito cometeu um erro. A postura desafiadora e pouco respeitosa do prefeito desagrega, não permite que haja um clima de construção de confiança."
Idenir Cecchim
PMDB - 5 vereadores - independentes
"Acho que foi assim: o projeto, em vez de ser discutido como deveria ser, acabou descambando pro lado a favor ou contra o aumento de impostos. É uma ideia difícil de defender, mesmo que seja justa. A saída do Ricardo Gomes da Secretaria de Desenvolvimento Econômico foi emblemática pra mim: quando ele disse que ia sair, derrubou o projeto. Isso mostrou que os partidos, principalmente os que fizeram alianças inicialmente com o prefeito, não estão coesos. E estão contaminando os outros. Se não tiver uma base sólida que defenda o Executivo, fica difícil. O Janta saiu dizendo que ia derrubar os projetos da passagem de ônibus, mas ninguém sabe se foi só isso, ou se isso foi uma gota d'água. Os outros vereadores se perguntam: por que será que não estão apoiando o prefeito? Levanta dúvidas."
Clàudio Janta
SD - 1 vereador - base aliada
"O Marchezan perdeu porque falou demais. Se meteu a fazer o que não devia. Primeiro, porque não explicou o projeto, não mostrou até hoje para a Câmara de Vereadores onde o IPTU diminui, onde aumenta, onde tem isenção. Só fala em Lomba do Pinheiro e Restinga. Queríamos saber onde exatamente diminui, aumenta e isenta. Aí, fica jogando a população contra a Câmara como se tudo fosse culpa nossa. Fez um projeto no afogadilho, em 30 dias. Fizemos comissão conjunta, sessão extraordinária, audiência pública em tempo recorde, tudo o que podia para ajudar o projeto. Mas ele é injusto com a Câmara, disse que "faltou coerência" para os vereadores. Faltou coerência é para o prefeito: ele disse na Gaúcha, na campanha, em debate, que não aumentaria imposto. Tinha o meu voto, inclusive. Perdeu o meu voto, perdeu voto do PMDB, do PRB, do PP. Ele podia ter aprovado o projeto se fosse mais humilde."
José Freitas
PRB - 1 vereador - independente
"O projeto até foi discutido conosco nos últimos dias, mas já veio pronto. A discussão foi apenas para votarmos. O prefeito aceitou algumas emendas para passar, mas foi tarde demais. A gente entende a situação da prefeitura e que precisa atualizar essas plantas, mas tem que chamar essas pessoas na Fazenda e regularizar uma por uma, já que a prefeitura tem esse mapeamento. O prefeito tem que construir os projetos junto com os vereadores. Cada um tem uma opinião e divergências; se ele se reunir com todos, o projeto nasce unido. Também sou contra o rico pagando pelo pobre. Essa isenção em bairros da periferia não ficou bem clara, sou contra. A pessoa mora debaixo do mesmo sol que nós. Ela deve pagar dentro do salário dela ou pela metragem da casa."
Márcio Bins Ely
PDT - 3 vereadores - independente
"Não existe articulação política que pudesse reverter o resultado da votação. Foi uma questão de mérito da matéria, entendemos que não é oportuno aumentar o IPTU agora. Na nossa compreensão, o país enfrenta uma crise sem precedentes. O caminho do aumento de imposto não é a solução mais adequada."
Tarciso Flecha Negra
PSD - 1 vereador - independente
"Foi um projeto de supetão, pressionado para ser votado com muita pressa. Acho que faltou tempo para discutir melhor a legislação e mais articulação política. Não era um projeto que encaixava no desejo do porto-alegrense."
Wambert Di Lorenzo
PROS - 1 vereador - base aliada
"Eu acho que foi o curto tempo que a Câmara teve para analisar e apresentar emendas para o projeto, somado à falta de comunicação com a sociedade, que também não entendeu. A apresentação foi confusa: o secretário da Fazenda comparava a cobrança do IPTU com a cobrança do condomínio. Foi constrangedor. Não tínhamos clareza do efeito, porque faltava o simulador para entender o novo cálculo. De fato, existem injustiças para serem corrigidas. Não sou contra cobrança de impostos, mas não tenho como apoiar tributação sobre propriedade privada. Não ter maioria consolidada na dificulta a vida de qualquer governante. O Paim é muito habilidoso, gentil e excelente articulador, mas chegou aos 35 do segundo tempo. Essa mudança do articulador político também prejudica a relação."
Mauro Pinheiro
Rede - 1 vereador - independente
"Os vereadores estão mais preocupados consigo do que com a cidade, votaram com o interesse das suas relações, e não de acordo com os interesses da cidade. A comunicação do projeto poderia ter sido melhor, mas a Secretaria da Fazenda fez sua parte. Eu nunca tive tanta explicação da Fazenda sobre um projeto como neste caso. O prefeito Marchezan quis adotar uma forma diferente de fazer política, e a Câmara de Vereadores ainda não conseguiu entender ou não está aceitando. Em governos anteriores, quantos vereadores eram secretários no município? Hoje são dois. Ele trouxe muito mais técnicos do que políticos no governo, e de certa forma tem uma reação contrária a isso, pela pouca participação dos vereadores dentro do governo. Ou porque não se sentem parte, ou porque não são contemplados, resolveram virar oposição."
Reginaldo Pujol
DEM - 2 vereadores - independente
"Esse final desfavorável deve ser debitado fortemente à falta de base política do governo. A maioria dos vereadores do partido do vice-prefeito (PP) se comportou ontem como sendo da mais forte oposição. Acho que faltou estratégia para o governo. Eu mesmo tentei ajudar, fiz uma emenda que reduzia incidência dos tributos a serem executados no ano que vem, mas o governo tirou gente do plenário para não aprovar. O prefeito não é feliz em várias manifestações públicas. Ele entende que podia colocar a Câmara em xeque. Isso gerou muito descontentamento, especialmente dentro de sua base. O comportamento do prefeito contribuiu, e muito, para a formação desse quadro negativo."
Paulo Brum
PTB - 4 vereadores - base aliada
"Conosco, não faltou diálogo. Claro que tem algumas questões que achamos que deveria ser aprovadas e fizemos emendas, mas esse assunto não se esgota neste momento, num futuro próximo vai ser retomado. Serviu para o prefeito ficar mais atento para tratar com mais carinho, mais atenção, o Legislativo. Acredito que a declaração do nosso prefeito no vídeo que postou na rede social influenciou para que chegássemos no ponto que chegou, acho que não foi a intenção dele, mas ele atingiu. Nas reuniões que fizemos com ele, chegava-se a 20 vereadores dando guarida ao projeto. Falta uma base de sustentação ao governo. A base tem de ter participação também nas decisões de governo. A troca de liderança também, acho que foi um fator que de alguma maneira causou um desgaste, porque o maior líder da oposição hoje é um ex-líder do governo."
Airto Ferronato
PSB - 2 vereadores
"O Marchezan perdeu a votação por três motivos: houve um equívoco na publicação do que seria o projeto, por isso, as pessoas passaram a achar que haveria um "tarifaço". A comunicação sobre o reajuste no IPTU não foi bem feita e deu a entender que seria um processo de aumento de imposto. Isso gerou apelo popular que fez os vereadores votarem contra. A segunda questão se refere ao relacionamento agressivo entre o prefeito e a base, que já é pequena. O terceiro ponto é relacionado aos vídeos que o prefeito publica agredindo os vereadores. Em todo meu tempo de casa, nunca tinha visto uma reação contra da base nesse nível."
Rodrigo Maroni
Podemos - 1 vereador - base aliada
"Acho que não houve apoio porque as relações políticas são constituídas a partir de matemáticas e interesses individuais. O Marchezan tem tido uma postura muito linear e transparente nesse sentido, e isso de certa forma dificulta. Tu tens um líder de um governo novo e toda uma política de uma lógica nova. Só que a política ainda tem uma lógica antiga de funcionamento. Foi muito importante essa derrota para ver quem quer colaborar com o governo e construir uma cidade melhor. Infelizmente, é muito comum as pessoas não conseguirem manter o combinado até o final. Contabilizamos em torno de 19 votos a favor de vereadores com acordo de adequação com o governo, mais os vereadores do PT. Isso estava combinado."
Felipe Camozzato
Novo - 1 vereador - independente
"De forma geral, acho que não aprovaram porque eles (vereadores) viram que o projeto tratava de aumento de arrecadação. Apesar do governo ter dito que aquilo não era um aumento de arrecadação, não era aumento de imposto, mas, o que se via na prática, era que o governo estava fazendo todo aquele movimento para dobrar a arrecadação de IPTU. Então, o discurso não se sustentou. Isso foi um ponto. E, segundo, todo mundo criticou muito e isso é uma coisa que eu concordo que teve pouco tempo para debater o assunto. Porque o projeto chegou faz 45 dias, basicamente, e aí você tem 26 anos, que nem diz a prefeitura, de desatualização da planta, mas tu manda um projeto bastante extenso, com bastante complexidade, tinha mais de 40 emendas e isso para ser debatido assim, em 45 dias. É uma coisa complicada. Tanto é que, na hora da votação, muitos vereadores não sabiam exatamente o que as emendas diziam, o que cada emenda era, da muita confusão."