Seja para não perder o ônibus ou porque não há faixa de segurança por perto, pessoas aventuram-se todos os dias em travessias perigosas nas ruas de Porto Alegre. E o perigo é maior em avenidas com corredores de ônibus, que, sem gradis de proteção em vários pontos, concentram o maior número de atropelamentos por coletivos.
De 2016 até junho deste ano, quatro avenidas da Capital com corredores são as que registram maior índice de atropelamentos envolvendo ônibus, segundo a Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC). Foram 18 acidentes na Avenida Osvaldo Aranha, 16 na Bento Gonçalves, 14 na Protásio Alves e 12 na João Pessoa. Nenhuma outra rua da Capital tem mais de seis atropelamentos por ônibus.
No primeiro semestre, Porto Alegre registrou 445 atropelamentos considerando qualquer tipo de veículo. O número caiu – no mesmo período de 2016, foram 518 –, mas ainda mantém a EPTC em alerta. De acordo com a empresa, agentes do órgão realizam, diariamente, ações que orientam pedestres e motoristas a seguir as regras de sinalização e prestar atenção no fluxo do entorno. O problema é que os smartphones têm sido grandes inimigos do trânsito, argumenta o coordenador de educação para mobilidade da EPTC, Júlio Cesar de Almeida.
– Os pedestres costumam atravessar a rua mexendo no celular, ou com fones de ouvido – comenta.
Falta de atenção não é o único problema, diz a especialista em segurança viária Denise Chagas. Ela defende que, mesmo que o comportamento do pedestre contribua para a ocorrência de acidentes, o ambiente viário tem de estar preparado para esses erros.
– O pedestre tem uma parcela de participação, mas é preciso que exista uma sinalização adequada, como gradil e faixas de segurança. Isso é uma das razões para pessoas atravessarem no meio da rua – explica Denise.
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Para a coordenadora de segurança viária da World Resources Institute (WRI) Brasil, Marta Obelheiro, a infraestrutura da cidade influencia na decisão do pedestre. A longa distância entre uma faixa de segurança e outra acaba representando um desvio de caminho do pedestre.
– As faixas, muitas vezes, não estão sendo colocadas para atender a demanda do pedestre, mas sim onde causa menos transtorno para o trânsito. O que influencia muito, também, é o tempo que o pedestre espera o sinal verde– justifica Marta. De acordo com ela, para dar uma boa condição de travessia do pedestre, o recomendado é que as faixas tenham uma distância de 150 a 200 metros.
De acordo com a diretora técnica da EPTC Carla Meinecke, agentes do órgão monitoram as vias e fazem contagens das travessias espontâneas para avaliar a necessidade ou não de semáforo e faixa para pedestre. Segundo ela, os corredores das avenidas Bento Gonçalves, João Pessoa, Osvaldo Aranha e Protásio Alves serão analisados para a implantação de nova sinalização.
– Como esses corredores passaram por qualificação asfáltica, estamos revisando todo o eixo para adequação da sinalização, se tem necessidade de gradil, por exemplo. Começamos na Osvaldo Aranha, onde colocamos uma lombada e reforçamos a sinalização para o pedestre – explica Carla.
Ela destaca ainda que todo cidadão pode solicitar sinalização de trânsito pelos telefones 156 e 118. Em duas tardes, Zero Hora percorreu as quatro avenidas que mais registraram acidentes. Confira.
Osvaldo Aranha
Próximo à Redenção e ao Hospital Pronto Socorro, a circulação é intensa. Pedestres caminham rente ao corredor de ônibus, próximo ao hospital. Instalada próximo à parada de ônibus dessa região, uma lombada reduz a velocidade dos ônibus. O vendedor Édson dos Santos, 37 anos, relata que o movimento é acentuado próximo à Rua Ramiro Barcelos:
– A gente escuta uns buzinaços de ônibus, tem gente que atravessa correndo achando que vai dar tempo.
Foi o caso do estudante Luiz Vieira, 19 anos, que estava atrasado para uma aula de inglês:
– Eu sei que é errado, mas a sinaleira para pedestre demora muito para abrir, às vezes não dá para esperar. E quando abre, todo mundo tem que sair correndo porque é pouco tempo.
Bento Gonçalves
Com cuidado e olhando para os dois lados, o empresário Ivair Remido, 50 anos, cruzou apressado a Avenida Bento Gonçalves fora da faixa de segurança, na esquina da Rua Osvaldo Pereira de Freitas.
– Para ir ao banco não tem faixa de segurança perto. Aí nós temos que nos arriscar e atravessar mesmo. Falta uma sinalização para o pedestre – defendeu-se.
Camila Saldanha de Macedo, 26 anos, que trabalha em uma lancheria da região, concorda com a crítica de Ivair:
–Tem muita coisa para pedestre aqui. É uma área de bastante movimento de pedestre. Tem banco, mercado, farmácia. É um perigo porque os ônibus andam rápido. O pessoal se arrisca muito porque não tem faixa de segurança.
Mesmo com uma faixa de pedestres em frente ao Carrefour, no sentido bairro-Centro, a reportagem viu pessoas atravessando fora da área. Isso porque a faixa de segurança não continua até a pista de sentido contrário. Para atravessar no local adequado, é preciso percorrer a toda a parada de ônibus até a saída para pedestres.
Protásio Alves
Entre as esquinas com as ruas Domingos José de Almeida e Juvenal Müller, próximo a um banco, duas senhoras atravessavam a via fora da faixa de segurança. Enquanto cruzavam o corredor de ônibus com os braços entrelaçados, as mulheres olhavam para os dois lados depressa.
–Fiz uma coisa que não gosto, que é atravessar fora da faixa. Mas ela é teimosa, veio me puxando, me puxando e vim a contragosto – contou Eoleta Verani, 67 anos, brincando com a amiga.
Sua amiga, que pediu para não ser identificada, atribuiu ao dia de chuva a ousadia.
– Sempre atravesso no local certo, mas a faixa de segurança estava longe e não quis que nos molhássemos mais – disse a senhora de 71 anos.
João Pessoa
Entre as avenidas José Bonifácio e Loureiro da Silva, pedestres reclamam do tempo curto da sinaleira para atravessar: 21 segundos perto das 17h. Apesar de faixas de segurança no local, muita gente atravessa correndo, mesmo com o semáforo verde para motoristas. Do caixa no mercado em que trabalha, Gabriela Pozzebon, 23 anos vê a Redenção e testemunha todo dia momentos de imprudência.
– Poucas pessoas vão na faixa de segurança. Se jogam no meio do corredor. Passa criança, idoso, gente com muleta, cachorro... todos cortando caminho. No final da tarde é pior – comenta Gabriela.
A massoterapeuta Carolina Gaiger, 36 anos, costuma sempre atravessar na faixa, mas não espera o sinal fechar:
– Vejo muita gente que se arrisca, que atravessa distraída. Se corre risco, mas dependendo do horário não dá para ficar parado esperando porque é perigoso também.