Abandonado e abarrotado de lixo, o sobrado da Rua Riachuelo, nº 645, foi socorrido antes de desabar com um pedaço da história de Porto Alegre. O imóvel do século 19, um dos poucos remanescentes da arquitetura colonial luso-brasileira, está passando por limpeza e recuperação estrutural.
Partiu da prefeitura a decisão de realizar as obras – apesar de se tratar de propriedade privada. O coordenador da Memória Cultural da Secretaria Municipal de Cultura, Eduardo Hahn, justifica que o prédio estava em estado avançado de deterioração e que sua fachada corria risco de cair sobre a calçada.
– É uma das edificações mais antigas de Porto Alegre, um marco físico do tempo e da cultura luso-brasileira – ressalta.
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Ao custo de R$ 126 mil, os trabalhos estão sendo realizados com recurso do Fundo Municipal do Patrimônio Histórico e Cultural (Fumpahc). Já foram feitas a consolidação da estrutura do imóvel, a complementação de paredes que haviam sido demolidas, a recuperação e a pintura da fachada e a limpeza interior. Hahn afirma que será necessário realizar um aditivo para a limpeza do pátio, o que deve prolongar o fim da obra. Até o final do ano, ela deve ser concluída, segundo ele.
– O prédio havia sido invadido, e tinha virado um depósito de lixo – relata.
Segundo o coordenador da Memória, a prefeitura deve fazer uma entrega oficial ao proprietário, mas ainda se discute se vai cobrar os custos judicialmente. Hahn salienta que a prefeitura interveio para impedir que o imóvel, abandonado há mais de 20 anos, ruísse, mas ainda há muito o que fazer.
– A obrigação de dar continuidade de conservação é do proprietário – diz ele, comentando que o prédio nem mesmo tem pavimento, o piso é de chão batido.
O coordenador da Memória também afirma que existe um antigo processo judicial em andamento em que o município busca fazer o dono assumir a conservação do imóvel.
O imóvel foi construído com tijolos assentados com argamassa de barro e apresenta esquadrias com verga em arco, uma das características marcantes do estilo luso-brasileiro. Foi tombado em 1980 pelo município. Segundo documentos da Equipe do Patrimônio Histórico e Cultural (Ephac), apesar de o imóvel estar lançado no no livro de controle do Arquivo Municipal a partir de 1893, "sua construção deve ser bem anterior a essa data".
Por que são raros os prédios coloniais em Porto Alegre?
Dá para contar nos dedos os prédios originais de arquitetura colonial luso-brasileira que resistiram na Capital. Hahn diz que, com a chegada de imigrantes italianos e alemães, houve uma substituição gradual por edificações neoclássicas (como o Theatro São Pedro) ou ecléticas (ao exemplo do Margs). Ele lembra que, durante o período colonial, as atividades econômicas na cidade eram mais limitadas, o que refletia em uma arquitetura "menos luxuosa" do que nos períodos seguintes.
Presidente do departamento do Rio Grande do Sul do Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB-RS), Rafael Passos acrescenta que cidades do Rio de Janeiro e Minas Gerais viveram muita riqueza no período colonial, portanto a arquitetura condizia com essa característica. Os imóveis coloniais luso-brasileiros da Capital eram mais simples do que é visto em cidades como Ouro Preto, e, por desconhecimento da sua importância, podem ter sido menos valorizados.
Mas para ele, a falta de preservação do Centro Histórico foi a grande culpada pela perda desses imóveis. Ele lembra que ocorreram decisões econômicas e políticas de verticalizar o centro da cidade a partir da primeira metade do século passado, o que levou à transformação da região.
Outros imóveis com arquitetura luso-brasileira
Museu de Porto Alegre Joaquim Felizardo
O Solar Lopo Gonçalves foi habitado por diferentes moradores e passou a sediar o Museu de Porto Alegre Joaquim Felizardo em 1982.
O comerciante Lopo Gonçalves Bastos mandou construir esse imóvel como uma casa de chácara para sua família entre 1845 e 1853, na antiga Rua da Margem, atual João Alfredo. O terreno localizava-se fora dos limites da cidade e, com o passar do tempo, foi integrado ao bairro Cidade Baixa.
Solar Paraíso
Localizado na Travessa Paraíso, no bairro Santa Tereza, o Solar Paraíso foi construído nos anos 1820 e, após, foi dividido e ocupado por várias famílias. Atualmente, é sede do Porto Alegre em Cena.
Entre as características estão a incidência de beiral (última fileira de telhas que forma a aba do telhado), as janelas em verga de arco abatido (como um meio arco achatado) e, nas quinas do prédio, cunhais marcados.
Antiga Provedoria da Real Fazenda
O prédio que abriga o Memorial do Legislativo do Rio Grande do Sul, na Duque de Caxias, é considerado a construção mais antiga da Capital. A antiga Provedoria da Real Fazenda foi construída em 1790 e abrigou a sede do Legislativo gaúcho de 1835 a 1967.
Sua arquitetura original apresentava apenas um pavimento, com planta regular, segundo o estilo colonial que predominava na época. Em 1860, o prédio ganhou um segundo piso e seu estilo foi alterado – recebeu influências neoclássicas.